Esta é já a sexta vez que um papa vem a Portugal, fazendo do nosso país um dos mais papistas do mundo, e esta é a vez de maior projeção mediática. Também, nunca como agora, surgiram artigos e publicações críticos a propósito das histórias de Fátima. Até eu, modestamente, sem a eloquência, o rigor ou a responsabilidade que cabe em outros, tenho aqui dado um ar da minha graça..
Contudo, as vozes céticas provocam um impacto diferente se vindas de dentro da Igreja ou de alguma personalidade pública manifestamente católica. É o caso dum artigo de opinião, com o título "Fátima nunca existiu", que enche a penúltima página do Público de 24/04/2007, assinado por Ascenso Simões, aí identificado como "católico, gestor e político". Investigando mais sobre a identidade do autor apurei que se trata dum destacado deputado do PS conhecido, entre outras coisas, pela sua assumida religiosidade católica.
O católico, gestor e político começa por fazer uma reflexão fundamentada de aspetos da sua Fé, provando que não tem Fé por obra e graça do Espírito Santo mas com base num raciocínio pessoal interiormente aprofundado, continuando e terminando nos termos aqui transcritos:
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Fátima é um espaço mágico que não carece de histórias pueris para se afirmar, que se impõe pela necessidade de uma recolha individual perante a intercessão de Maria perante Deus.
As aparições, os segredos e, agora, as canonizações, são um atentado à nossa inteligência e à nossa fé. Porque as exposições históricas nos indicam o primarismo dos relatos, porque a existência de um testemunho consagrado por três crianças ignorantes nunca se poderia cumprir. Fátima foi construída, nas suas fundações, num tempo de complementaridade com um regime, era necessária uma narrativa que a fizesse acrescentar medo, obrigações e demissões de cidadania.
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Neste mundo não há milagres por apelo a anteriores viventes terrenos e não há, por isso, Santos.
Este ano não se observam 100 anos da primeira aparição de Nossa Senhora aos pastorinhos; não se verifica qualquer cumprimento de aniversário de uma mensagem que alguém inventou; não podia, sequer, transformar-se a visita papal na criação de mais dois lugares na constelação dos Santos. O que hoje se impõe é que Fátima se reinvente, que seja o local de acolhimento perante Deus, que quem continua a seguir uma linha de procura de um ser superior seja levado a uma inteligente opção pela fé.
Francisco, mesmo que a contragosto, vem a Fátima. Faz a sua parte. Não como Bispo de Roma, mas como Chefe de Estado da burocracia vaticanista."
Não pude deixar de partilhar esta visão porque partilho dela, exatamente, o que lhe é mais criticável, a contradição explícita: a utilidade de Fátima num contexto de falsidade. Já ilustrei essa posição aqui.
Poder-se-á desmascarar Fátima mas não é o momento de voltar atrás. Fátima nunca existiu? Existe! Não lembrará a Deus nem ao Diabo, nem ao Papa, acabar com Fátima e tudo o que ela envolve. Seria um desastre para a Igreja, para o turismo, para o comércio, para a cidade, para o concelho, para o presidente da Câmara de Ourém e sobretudo para os crentes que ali acomodam as suas mágoas.
Tenhamos calma, Galileu esperou cinco séculos.
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