O pato bravo que me fez a casa, mentia por tudo e por nada e, se descoberta a careca, defendia-se habilmente, entre a brincadeira e a vergonha, com uma piada desarmante ou uma desculpa esfarrapada, sem tirar da boca o cigarro que lhe fazia os sorrisos amarelos e o impedia de mostrar todos os dentes.
- Amanhã de manhã estou aí às sete!
E lá me levantava eu sem que aparecesse alguém, chamadas para telemóvel desligado e, passado um dia ou dois: um tio que morreu, um servente que meteu baixa, uma furgoneta que gripou ou até a puta da mulher que lhe andava a pôr os cornos.
- Para a semana esta parte fica pronta!
E eu, sempre de esperanças, a acreditar perante as certezas e as promessas que, desta vez é que era para, chegado o prazo, ter de engolir com santa paciência a minha ingenuidade e a arte do verdadeiro construtor de negócio em popa.
Tão pouca era a vergonha que na minha presença ou companhia, podia ouvir conversas ao telefone em que ele assegurava ao interlocutor, estar em Paris, ir a caminho da obra, ter tido um acidente ou outro contratempo, assim mesmo, nas minhas barbas e a piscar-me o olho malandro como quem diz "ontem foste tu, hoje é este!".
Verdade é também, que o homem não parava, acelerava a um lado e ao outro, pegava nas ferramentas, levantava pedras, reparava gruas, ralhava aos pedreiros e aos fornecedores, conversava comigo todos os pormenores e a caneta só ia uma vez ou outra ao bloco a6, amarrotado, que tinha frente ao volante da carrinha.
A verdadeira escrita era com o técnico de contas a quem se referia como doutor e a quem elogiava repetidamente "porque ó doutor" - também assim me tratava "eu posso falhar com muita coisa, dever a alguns mas ao estado é que não, que ele não perdoa!" E acrescentava:
- Este doutor contabilista tem-me valido muito! Nunca recebi uma notificação das finanças ou da segurança social! Porra! Que eu sei como eles mordem! É todos dias: fulano foi à falência por isto, sicrano até sem a casa ficou, beltrano teve de fugir para França!...
Se havia uma discussão entre nós mais acesa, lá me amansava com um almoço a dois, onde me contava o "vim do nada", da mulher de quem suspeitava, da filha que estudava e onde nunca faltava uma história de que se tinha de fingir acreditar:
- Em 1968, vinha eu de França num autocarro e ali, antes de chegar a Salamanca, ele virou. Pois um grupo de malta, partiu um vidro, saiu, com a sua força, voltou a pôr a camioneta em pé e continuámos viagem!... Olhe, alguns vinham a dormir, nem se aperceberam!....
E prolongado o almoço lá calhava:
- Ó doutor, eu posso ser muito mentiroso mas não chego para os tipos que nos governam! Ou o doutor pensa que, por exemplo, este tipo que agora é primeiro ministro, falha-me agora o nome dele, paga às finanças e à caixa como eu?! É claro que não!... A gente olha para o gajo e vê logo pelo abanar e pela conversa que aquilo é um chico esperto!...
É assim, quem não tem dentes não pode mentir com os dentes todos, há mentirosos e mentirosos, há patos bravos e chicos espertos.
É assim, quem não tem dentes não pode mentir com os dentes todos, há mentirosos e mentirosos, há patos bravos e chicos espertos.
4 comentários:
... e também há ministros!
que, depois de ministros, são patos bravos, em grande...
abraço, Majestade.
Ganda crónica, meu!
Quanto ao final
tudo certo
um pato bravo
é um pato bravo
e
um chico esperto
é um chico esperto
nada de misturas, hein!
Muito bem contada a história dos patos bravos, dos chicos espertos e de tantos de nós que já andámos, e andamos!, nas mãos deles.
Há cada vez mais por aí...
Cumps
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