Não era camionista, era chofer, nesse tempo era o verbo mais corrente. Chofer da fábrica do senhor António. Nos anos cinquenta, para um aldeão, ter a carta de condução era um mestrado. Era o mais letrado e mais remunerado depois do escriturário. E tinha um ajudante para a cargas e descargas, para as manobras, para perguntar nos cruzamentos por onde é que se ia para onde se queria ir, para enfiar paus nos rodados quando a Scania se atolava, para fazer de rádio na cabine porque não o havia. O Zé era um fiel amigo. Era como se fosse da família.
Rijo e meigo, nervosamente sossegado, riso de não mostrar os dentes, uma humildade de meter respeito, as mãos calejadas, ai e os beijos que encontravam sempre os picos da barba por fazer. Gente dura. Começou aos dez anos como criado na quinta das Caldas do senhor Terrinha. Eu segui-lhe os passos e aos dez anos pus-me a andar. Mostrava vaidade por dizer que tinha um filho que andava a estudar para padre.
Depois veio 74 e tempos novos, horário de trabalho, o respeitinho do patrão por quem trabalha, três meses de vencimento em agosto que isso de gozar férias era para gente da cidade e de pequena prole, a motorizada a dar lugar ao carocha em terceira mão... e a vida continuou. O mesmo pai mas eu já varão e noutros territórios. Uma Scania nova com rádio, o Zé na Suíça, o salário sempre magro, o trabalho sempre pesado, a vida sempre dura, o mesmo riso de lábios encostados, os mesmos olhos verdes claro, a mesma força de trabalho.
Que grande herança: o grande orgulho de pertencer à classe trabalhadora!
4 comentários:
Grata pelo texto
Lido e sentido. Com sentido. Em sentido, i.e. respritado,
Obrigado,
Boa partilha.
Abraço
Um "retrato paternal"que me sensibilizou.
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