sexta-feira, 5 de julho de 2024

À morte ninguém escapa


Tanto a minha mãe como o meu pai morreram prematuramente e, obviamente, eu fiquei orfão, também prematuramente! Portanto, de morte, já tenho o meu quinhão, embora tenha de reconhecer que, verdadeiramente, conhecedor do assunto só o serei tardiamente na minha hora, que acontecerá, espero, a partir deste preciso momento, num tempo que não me permitirá falar da minha experiência pessoal.

Na última semana morreram várias pessoas em Lisboa, no Alentejo, em Trás os Montes e, em Trás dos Matos, que é uma aldeia da freguesia de Vila Cã, ouvi dizer que também lá morreu um homem. Peso de modo igual a morte dessas pessoas mas mais a pesaria se alguma delas me fosse próxima. Não podem é acusar-me de frieza por não ir no embalo mediático das mortes da semana, de aqui-d ’el-rei  tens de chorar votos de pesar por nomes sonantes da arte ou da política, do desporto ou da fortuna, que me dizem tanto, enquanto mortos, como o senhor de nome provável José, natural de Trás dos Matos, que eu nunca conheci e de quem nunca ouvi falar. 

Na morte somos todos iguais, não é o que dizem? Pois saibam que não verto uma molécula de lágrima por alguém que nunca me tenha dirigido a palavra ou a simpatia, embora compreenda que alguns, em quem o poder da morte não é tão cérceo, sejam reconhecidos anonimamente pela sua arte, pela sua luta, pela sua destreza ou pela sua riqueza. Se o senhor José fazia esculturas de paus de louro, pertenceu à junta de Vila Cã, jogava bem à malha e deixou uma quantidade considerável de certificados de aforro, não vai ser por isso que eu o choro mais ou menos. Por isso, famosos, podereis ir morrendo que não perturbareis o meu santo sono diário e muito menos o eterno.

 Abaixo os funerais de estado e o panteão!

 Recordo uma cantilena que ouvi dos meus pais e que já passei aos meus filhos: 

À morte ninguém escapa, nem o rei, nem o cura, nem o papa. Mas hei de escapar eu! Tenho aqui um vintém, compro uma panela, meto-me dentro dela, tapo-me muito bem! Vem a morte não me vê. Bons dias meus senhores passem todos muito bem!

2 comentários:

Tintinaine disse...

Gostei desta escrita!
E do último parágrafo ainda mais!
Bom fim de semana!

JANITA disse...


Essa cantilena ou lengalenga, tb eu a conheço, desde a infância.
A minha é assim:

À morte ninguém escapa
nem o rei, nem o bispo, nem o papa,
mas hei-de escapar eu.
Compro uma panela
meto-me dentro dela
e tapo-me muito bem...
Vem a morte e diz:
Hummm, batatas,
aqui não há ninguém!

E passe o Pata muito bem!