Fazia o mercado de segunda, os dois, os doze e os vinte e quatro, arraiais de santos e enfeites de merendeiras, saídas de missa e o são joão.
Tomara este negócio para somar aos “dias fora” porque perdera a força do marido que, ainda por cima, a deixara de meses. Ao malvado tinham-se-lhe enfiado umas ideias na cabeça, não ia à missa nem à confissão, dizia mal do Salazar e lia livros que não eram da igreja. Por estar possesso de ideias que não lembravam ao diabo acabou preso e deportado para África ou para a Índia, sabia-o ela mas não o povo que o tinha como morto num descarrilamento. Soube a mulher aproveitar a coincidência da data do desastre com a do embarque onde, por excepcional concessão da polícia, teria ido despedir-se do demónio, regressando à terra em falso luto e de lágrimas teatrais - “ficou todo desfeito! nem foi possível fazer-se funeral!”.
Com tamanha mentira seria mais fácil voltar a ter homem do que se soubessem vivo o desgraçado que ela tinha de esquecer. Não teve a sorte de outro mas fez do filho um braço de trabalho! Não estava para o perder ao serviço do exército ou do Carmona. Chegada a idade da inspecção ensinou-o a ter um dedo torto e advertiu-o vezes sem conta para que se eles lhe perguntassem como ele o tinha antes não se descaísse e o mostrasse direito.
Regressou o grupo de mancebos do quartel, em dia de domingo, depois de uma noite de folia sem pregar olho como era tradição, ao largo da igreja, ainda havia gente de finais de missa. Uns contentes porque apurados e dois a pagarem rodadas por ficarem livres. Eufórica com a esperteza que transmitiu ao filho, pagou ela própria não recebendo dinheiro para a gaveta e ela própria apanhou uma piela de caixão à cova. Foi bem torcida que, sensibilizada pela sede dos rapazes e tendo a venda toda já esgotada, se virou para o filho do sacristão, o outro safo por não conseguir dobrar a língua, e lhe disse também de língua enrolada:
- E tu não pagas nada?! … Sabes bem onde há vinho na igreja!... Vai lá que a esta hora já está tudo a almoçar! Ninguém vai ver!
Estava a garrafa roubada a passar de boca em boca quando um homem, vindo do lado da estação se aproximou! Amarida da Cruz não teve dúvidas! Era o diabo do homem que voltava!
Deu três passos cambaleantes para trás, deu de traseira no tanque do chafariz do largo e, antes de bater com o traseiro na água, gritou alto:
- Milagre!!!
- Pôla! Robê pinga já consagada!
1 comentário:
Estou sentido!
Se contasse essa história, nesse tempo, poucos ligariam, dada a vulgaridade.
Contada hoje, por ser memória quase apagada, dá energia à alma!
Abraço!
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