Ela deve ter-se embeiçado por mim porque me ouviu cantar
“Michelle, ma belle”, acompanhado à viola, no jardim municipal. E se eu cantava
bem! Eu estava com uns colegas de propedêutico, num daqueles bancos de tábuas ripadas, a ensaiar os primeiros
acordes dum sonho de vida musical e ela estava com umas amigas,
num banco próximo, a exibirem brincadeiras e a atirar olhares para os nossos lados.
Não as conhecíamos do liceu - rapariguinhas de pais do operariado que se estavam nas tintas
para os estudos e queriam era namorar.
De partida os dois grupos cruzam-se e sinto um encontro de
ombros dela, provavelmente provocado pelo empurrão dissimulado duma companheira, simuladamente
inadvertido, e divergimos para lados opostos, com risos divertidos de
juventude em idade de contacto.
No dia seguinte, repetida a canção, ela vem ter comigo
pedindo-me desculpa pelo encontrão da véspera e pediu-me um cigarro, depois um
beijo, depois mais beijos e assim fomos nascendo.
Navegando a novidade, uma tarde, sugeriu-me um centro de convívio do seu bairro.
Não estava ninguém, entrava-se sem ser preciso chave. Uns sofás, uma mesa baixinha de sala de estar e umas damas.
- Sabes jogar?
E eu, num "sim" de novato ali e acanhado, rendi-me à solução preliminar e colaborei com destreza no posicionamento das pedras no tabuleiro.
Beber? Claro, beber faz parte do jogo! Tirar a carica. Pagar?
- Vê aí os preços nesta folha e faz os trocos com o dinheiro que está nesta caixa de sapatos.
Que associação é esta!? Quem pode confiar assim? Até as caixas de esmola da igreja têm cadeado! Pensei.
Estendeu-me a garrafa e eu levei-a à boca e desajeitado com o momento, babei-me com a cerveja até ao umbigo, tombei o tabuleiro e só dei por mim quando a espuma já untava os corpos próximos, estendidos num leito de eu sei lá. A coisa dava-se e, quando num bater mais acelerado do coração, parei os olhos, vi uma foice e um martelo sobre um fundo vermelho.
- Qual centro convívio qual carapuça, isto é um centro de trabalho!
Julgo que foi este aparte ou o tom com que me saiu que fez com que o estado de enamoramento não tivesse durado muito mais tempo. Passado um tempo e mais uns beijos e humidades, ela mudou de terra ou de partido, eu mudei de terra mas nunca perdi o encantamento pela gestão daquela caixa de sapatos.
E foi assim, que do borbulhar duma efémera paixão, parti para a vida de quem toma partido para a vida toda.
5 comentários:
A minha história é bem diferente
mas o desfecho
foi o mesmo
Abraço de camarada
Pronto, ponto assente. Se o Monarca deste Reino quis deixar bem ciente qual é o Partido político que o seu coração elegeu na juventude e ficou até aos dias de hoje, tudo bem.
Nada contra!
Agora vai é permitir-me que mercê dessas suas aventuras amorosas, eu sorria abertamente à divertida lembrança daquela outra - foram tantas - com o nome ou cognome, de 'A DO STOP'...
O que me ri com essa história... Eheheheheh
Boa sexta e, claro, até ao Natal!
Rogério, bem me parecia que éramos da mesma camioneta! Ah!AhA
Janita, têm sido tantas as escritas e foram tão poucas - as suficientes! - as escrutinadas! Eu não acrescento pontos aos contos, eu empilho-os!
Não faço tatuagens das representações estéticas das minhas opções. Sou, por idiossincrasia, um tipo discreto e não acredito no Natal mas claro: Bom Natal e obrigado pela atenção assídua!
E que tal se voltasse a cantar '“Michelle, ma belle”, e fizesse um vídeo para os seus leitores?
Provavelmente, faria mais sucesso do que os Beatles.
Experimente!
Vim antes do Natal e já peço o 'presente' antecipadamente.. :))
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