Eu tive dezasseis tetravós. Posso adivinhar
que, entre essas mulheres, algumas teriam o nome de Maria mas não faço ideia do
sítio onde nasceram ou morreram. Terão sido, porventura, contemporâneas de Karl
Marx e, como cristãs, saberiam que um camelo não pode passar pelo buraco duma
agulha. Não lhes custaria acreditar também que, pelas máquinas que se começavam
a inventar, mais século, menos século, os homens iam conseguir andar de balão
ou passarola. Apesar duma história de muitos trambolhões, hoje os aviões cruzam
os céus quase com o mesmo à vontade da passarada e, mais século, menos século,
depois de muitos trambolhões, vai acabar por ser possível encontrar o caminho duma
sociedade sem exploradores nem explorados.
Se, por uma concretização do impossível, elas
pudessem agora voltar à luz do mundo, obviamente que estariam sem fechar a boca
dias seguidos, que ficariam espantadas com o admirável mundo novo das
tecnologias, que dariam pouca importância ao facto de ainda existirem muitos
pobres a servirem homens muito ricos e iriam, com certeza, experimentar um
passeio de avião.
E então, bastaria sobrevoarem a costa
portuguesa de Caminha a Vila Real de Santo António, num mês de verão, para
gritarem lá dos céus:
- Ai meu rico Santo António! Mas o que fazem
estas multidões ali na areia? Que faina é a deles? Uns parecem lagartos a
apanhar sol, outros feitos ao mar sem rede nem linha! Ai meu Deus! Estão
quase como Deus os trouxe ao mundo! Eu compreendo todas as transformações que
aconteceram! Mas isto? O que é isto?
No fim de escrever isto sinto-me mais
aliviado, as minhas tetravós iriam compreender porque não me sinto bem na
praia. Fazer praia, não é a minha praia.
E, como tenho fé, quase que consigo ouvir a
voz da minha tetravó Maria Qualquer Coisa a perguntar-me:
- Tetraneto Luís, credo! Fazer praia? Que é
isso fazer praia? Como é que isso se faz?
1 comentário:
O meu tetravô Zé Qualquer Coisa é mais assertivo que a tua tetravó e me recomenda que bata uma soneca, desperte, beba uma bjeca e me faça à vida, distribuindo, à saída da praia
"o jornal dos artistas"
Enviar um comentário