domingo, 11 de julho de 2021

Não compreendo a praia

Eu tive dezasseis tetravós. Posso adivinhar que, entre essas mulheres, algumas teriam o nome de Maria mas não faço ideia do sítio onde nasceram ou morreram. Terão sido, porventura, contemporâneas de Karl Marx e, como cristãs, saberiam que um camelo não pode passar pelo buraco duma agulha. Não lhes custaria acreditar também que, pelas máquinas que se começavam a inventar, mais século, menos século, os homens iam conseguir andar de balão ou passarola. Apesar duma história de muitos trambolhões, hoje os aviões cruzam os céus quase com o mesmo à vontade da passarada e, mais século, menos século, depois de muitos trambolhões, vai acabar por ser possível encontrar o caminho duma sociedade sem exploradores nem explorados.

Se, por uma concretização do impossível, elas pudessem agora voltar à luz do mundo, obviamente que estariam sem fechar a boca dias seguidos, que ficariam espantadas com o admirável mundo novo das tecnologias, que dariam pouca importância ao facto de ainda existirem muitos pobres a servirem homens muito ricos e iriam, com certeza, experimentar um passeio de avião. 

E então, bastaria sobrevoarem a costa portuguesa de Caminha a Vila Real de Santo António, num mês de verão, para gritarem lá dos céus: 

- Ai meu rico Santo António! Mas o que fazem estas multidões ali na areia? Que faina é a deles? Uns parecem lagartos a apanhar sol, outros feitos ao mar sem rede nem linha! Ai  meu Deus! Estão quase como Deus os trouxe ao mundo! Eu compreendo todas as transformações que aconteceram! Mas isto? O que é isto? 

No fim de escrever isto sinto-me mais aliviado, as minhas tetravós iriam compreender porque não me sinto bem na praia. Fazer praia, não é a minha praia.

E, como tenho fé, quase que consigo ouvir a voz da minha tetravó Maria Qualquer Coisa a perguntar-me:

- Tetraneto Luís, credo! Fazer praia? Que é isso fazer praia? Como é que isso se faz?



1 comentário:

Rogério G.V. Pereira disse...

O meu tetravô Zé Qualquer Coisa é mais assertivo que a tua tetravó e me recomenda que bata uma soneca, desperte, beba uma bjeca e me faça à vida, distribuindo, à saída da praia
"o jornal dos artistas"