Singular, foi um homem singular.
(Vou ter de me equilibrar evitando as três pessoas do singular, os egos de "eu", lamechas de "tu" ou referindo-me a "ele").
Ele foi conhecido como militante do Partido Comunista Português. Tu foste um natural de Lisboa apaixonado por Ourém. Eu experimentei o sabor da tua amizade e vivi o interior desse triângulo em que tantos te reconhecerão: Amigo, Ourém, Partido.
Sei que o coletivo fez e fará proveito da sua militância, do seu conhecimento e do seu legado político. Mais tarde ou mais cedo, a sua terra terá de engolir o preconceito e realizar atos de reconhecimento que não lhe fez em vida. Resta-me, portanto, dar testemunho daquilo que tantos receberam dele, a capacidade extraordinária de criar e alimentar a amizade.
Ele tinha idade para ser meu pai, mas nunca mostrou qualquer gesto de paternalismo. Pelo contrário, às vezes as coisas descambavam para a brincadeira e eu tinha a sensação de estar a conviver com um amigo da escola.
- Vamos lanchar?
- Então telefono para casa a dizer que não vou jantar!
Dar a volta a todos os temas e assuntos, pôr a conversa em dia até chegar ao pleno da amizade plena: o tempo do silêncio com cada um a olhar para o seu lado, a mastigar as ideias ou as iscas. E à quinta:
- Este tipo que te veio cumprimentar é teu amigo?
- Conhecemo-nos, mas nunca bebi quatro imperiais com ele!
- Adotei também esse mínimo como critério de amizade. Aprendi tanto contigo pá! Até a ser amigo!...
E depois, chega-se agora ao fim e tem-se a agradável sensação de não se estar só, de serem tantos os que passaram para além das quatro. Tantos os que conviveram com um "homem-centro-cultural", que tiveram que responder à proposta "temos de fazer coisas, pá", que sentiram nos ombros a palmada de incentivo " está porreiro aquilo que fizeste, pá" , que ouviram a referência a terceiros na forma "é um tipo extraordinário", que presenciaram o respeito pelo limite das idiossincrasias (um termo que usava).
E, no entanto, ele cuidava de cada amizade com particular dedicação. Há três semanas, abraçou-me as mãos dizendo-me "gosto muito de vocês", trazendo para o afago a célula familiar.
- Falaste-me do provável caminho da demência e que já não te despertava interesse, nem a novela nacional, nem a situação internacional. Percebi que estava a viver uma despedida. Aquilo com que frequentemente enquadravas os milímetros da nossa existência nos quilómetros da História, era representado na tua fragilidade. A tua humanidade vai ter de dar-te mais uns milímetros, vamos recordar-te ainda por uns tempos Zeferino:
- Disseram em toda a parte o Sérgio morreu.
5 comentários:
Bela e sentida esta tua homenagem...
Abraço
Abraço, companheiro Rogério.
Amigo, o teu texto belo e sereno emocionou-me. Muito.
Obrigada pelo que sentias e sentes pelo nosso Sérgio. Agora restam saudades e memórias.
Um abraço da amiga
Zé
Zé, não há outro caminho senão continuar...
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