terça-feira, 4 de junho de 2024

O meu companheiro da quarta classe

 


Ao longo da vida tenho reunido muitos diplomas mas só este teve direito a caixilho. Na quarta classe eu era o melhor na escola e o pior na bola e o Cuca era o melhor na bola e o pior na escola. Éramos só os dois.

Para fazer o exame, fomos os dois sozinhos, a pé, até Albergaria e apanhámos a camioneta para Pombal. Toda a gente dizia que eu ia dar um lindo padre (ia) e  fui todo o caminho a rezar ave-marias para o Cuca passar e eu não vomitar. Não me recordo mas a professora, que era da vila, devia estar à nossa espera e deve-nos ter acompanhado à escola grande onde prestámos provas. O facto de, da nossa escola, termos passado cem por cento, obrigava a professora a cumprir a promessa de nos levar ao castelo que só conhecíamos de ver ao longe. 

Para nós, poder tocar nas pedras dum castelo seria uma forma de realizarmos parte das fantasias que as imagens dos livros de História nos ofereciam.

Acontece que a professora, por estar nervosa com o período dos exames ou por outro período qualquer, disse-nos chorosa que estava com tamanha dor de barriga ou de cabeça, ou das duas coisas, que não conseguiria fazer tal passeio mas que ia pedir à mãe dela que fizesse as suas vezes.

E lá fomos os três, nós ligeiros de idade e felicidade, e a senhora a passo de bengala, ofegante mas segura no cumprimento da missão. Quem conhece sabe que o monte, subido a butes não é para qualquer idade ou condição e a pobre mulher  viu-se obrigada a desistir já se avistavam as portas:

- Os meninos vão lá que eu os amparo daqui com os olhos mas não entram que eu não os quero perder de vista!

E assim foi, chegámos à porta e meia volta. E assim continuou a minha amizade com o Cuca, volta e meia encontrávamo-nos, até que recebi a triste notícia que cinquenta por cento dos que fizeram comigo a quarta classe...

Desculpa lá, companheiro de classe, acabar a homenagem assim mas de ti irei guardar memórias de brincadeira da escola e de que eras um tipo lixado para a bola.

1 comentário:

Janita disse...

Então, não houve um único adulto que acompanhasse os miúdos, nessa viagem de um dia tão importante na vida deles? Nesse tempo os garotos aprendiam a desenrascar-se cedo...
Gostei muito de ler esta homenagem ao Cuca e crónica de uma visita anunciada a um castelo. Apesar de não entrarem puderam, ao menos, mexer nas pedras cheias da História de Portugal, aprendida nos bancos da escola. Emocionante isso!