sábado, 8 de fevereiro de 2025

3- A incrível história dum casal a quem calhou o euromilhões


- Então vamos falar a sério, tens a certeza que os números são esses?

- Tu é que os escreveste!

- Então olha, eu não tenho a certeza de que os números são os que te disse!... E agora?

- Nesse caso vais ao café, devem estar lá afixados, pedes uma caneta e um papel e vens a correr para casa para confirmarmos se estamos ou não ricos!



- Tu és maluca! Eles sabem que eu nunca jogo, iam logo desconfiar! Isso não!

- Então, pedes um café e sorrateiramente tiras um papel daqueles que lá estão para preencher, eles devem ter escrito um número de telefone para onde ligar num caso destes...

- Olha! Olha! Eu nunca vou lá tomar café à noite!... Iam logo desconfiar! E depois, se for verdade, vamos telefonar para um desconhecido? Sabemos lá se não é um tipo qualquer que localiza a chamada e vem cá ter noite dentro. Parece que já o estou a ouvir: o bilhete ou a vida! – muito provavelmente as duas coisas!...

- Acabou a conversa, vou lá eu! Chego lá e digo... digo... peço um maço de tabaco para ti, digo que estás cada vez pior, que te tenho de fazer todos os favores e vontades e tiro um papel dos tais, eles sabem que tu costumas tirar o papel mas nunca o registas!... Se eu não regressar dentro dum quarto de hora, é porque me descaí com alguma e eles me agarraram!... 


Francisca era uma mulher desenrascada, andava na motorizada melhor que muitos homense e não era o facto de andar de saias que a impedia disso . Em tempos, ia levar o Jacinto à porta do patrão, punha a alcofa da bébé sobre o depósito de gasolina e ia com ela ao médico, à bruxa ou onde fosse  preciso.

Tanto que fez por aquela filha para que ela, assim que se viu com corpo de mulher, se enfiasse num beltrano e fugisse, não sei de quê, com ele para o Luxemburgo. Já lá vão meia dúzia de anos, por lá se mantém, bem, segundo assegura no curto telefonema que faz pelo Natal. Falamos desta relação distante para adiantar, que não se espere por hora, que alguém entre na partilha da fortuna, nem mesmo a filha que, como se vê, não é merecedora.


Mas voltemos ao caminho do café, o farol da Sachs a romper a noite escura e o som da aceleração a denunciar que Francisca não conduzia com o espírito dos outros  dias. O Abílio do café reparou logo:


- Conheço bem o barulho da vossa motorizada, vi logo que não era o Jacinto mas também não me pareceste tu! Até pensei que tivesse sido roubada! Que se passa rapariga? Acabou-se o sal quando estavas a fazer a sopa?


Antes de se precipitar na conversa, Francisca topou os  clientes na sala, ao balcão estava o Pisca Pisca taxista com a sua habitual grande bebedeira de sexta-feira, alheio do tudo o que o rodeava, dois rapazolas olhavam para uma jogadas de futebol na televisão e uma mesa de quatro disputava um dominó de antes do jantar. 


- Ó Abílio! O meu homem está cada vez pior! Disse que estava cansado mas cá para mim ele entornou-se aqui. Tanto me chateou a cabeça que não tive outro remédio senão vir buscar-lhe um SG.

- O rapariga se ele ia entornado não foi aqui, no máximo bebeu uns quatro ou cinco copos e comprou um maço.

- Ai aquele desgraçado que não me disse que tinha perdido o tabaco!

- Já jogas ao euromilhões às escondidas dele, não me digas que também andas a fumar às escondidas?

- Não digas isso nem a brincar Abílio! Ainda bem que falaste no euromilhões! Empresta-me uma caneta e um papel para apontar os números que tens aí afixados. São de hoje?

- Sim, são fresquinhos! Que tenhas ao menos um prémio que te dê para jogar para a semana! Está descansada que eu guardo segredo do Jacinto.

- Olha, boa ideia! Deixa-me levar um boletim para preencher!

- Não o amarrotes! Guarda-o no decote!

- Paga-te do tabaco e cala-te!


Jacinto, sozinho em casa, mirava as chamas, incrédulo, entre gargalhadas solitárias, cigarros acesos uns nos outros, cismas e monólogos, foi à garrafa três vezes, sentiu o coração como nunca havia sentido desde o nascimento da filha, sentiu suores, medo, alegria e só não chorou porque desde mancebo assumira que isso não era coisa de homens. 

- E se calhou? Meu Deus, nem é bom pensar nisso! Estamos tramados! Eu este sábado até  tenho de ir trabalhar sem falta, temos de encher os pilares daquela obra e não vou deixar o patrão enrascado, nem sequer posso dizer que estou doente porque isso nunca aconteceu e ele pode desconfiar... Hum! Hum!? Ela escondeu o talão! Deve estar bem escondido! Não vale a pena pôr-me a procurá-lo!... O mais certo é que o tenha levado escondido abaixo da cintura! Quando ela chegar vou averiguar!... Espera aí, e se essa cabra me foge? Ela levou a mota! Ai! Ai! Ai! Desta maneira é que nunca contei que ela me enganasse!...


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