sexta-feira, 24 de abril de 2020

Crianças de Abril

Tenho a infância marcada pela lembrança ténue e breve de um Abril.
Tenho a infância marcada pelas conversas nos farnéis do campo, no almoço da fábrica, na taberna aonde os homens iam, nos encontros no átrio da igreja e, no meio de tudo isso, um certo Abril!
Tenho a infância marcada pelos arraiais com rancho folclórico e cornetas de música incerta, os comes e bebes em chão de feto e sombra de rama de eucalipto e à noite a luz sempre a falhar. E o conjunto que só fazia barulho – diziam os velhos! Tenho a infância marcada por uma televisão a preto a branco que só dava notícias e filmes de que eu gostava!

Nesse tempo, um certo Abril rompeu a História e pela primeira vez ela se fez de todas as serras, paredes, lugares e lugarejos deste povo.
Do fedelho ao avô, do primo de Lisboa à tia freira, do padre ao barbeiro e à padeira, toda a gente botava sentença e opinião. Um país dividido em mil partidos e unido num Abril.
- De que partido é ele?!
Importava mais que a idade, a terra ou a profissão.
A política…


- O Mário Soares é um cabrão! Cabrões dos fascistas! Cabrão do Sá Carneiro! Cabrões dos comunistas! Cabrão do Otelo, do Spínola, do Cunhal! Cabrões da PIDE! Cabrão do Salazar!
Ressalvo o respeito pelos visados mas era assim a voz do povo em que cresci.
E no fim, a Gaiola Aberta a rematar:
- E não há ninguém que parta os cornos a estes cabrões?!

Tenho a infância marcada pela lembrança de um Abril que já lá vai. Como antes dele, já não se fala política. Na hora da receita ainda se sente a divisão:
- O que era preciso cá, era um novo Salazar!
Julgo que já o temos.
- O que era preciso era outro 25 de Abril!
Talvez um dia …

17 comentários:

Watchdog disse...

Tirando o facto de ter nascido na cidade, mas isso não é revelante, como eu me identifico com tudo o que escreveste...

1 Abraço!

Oliva verde disse...

Temos a infância (para mim, já a adolescência!)marcada pela lembrança de um Abril que já lá vai!
Talvez um dia possa ser "um lindo sonho para viver qdo toda a gente assim quiser!"

SILÊNCIO CULPADO disse...

Para Negra
Não há 25 de Abril enquanto não houver igualdade de oportunidades. Não há 25 de Abril com doentes com cancro em lista de espera nos hospitais. Não há 25 de Abril com cerca de 2 milhões de pobres em Portugal.Não há 25 de Abril sem um Estado social que apoie situações como a da SIDA (entre outras).
Façamos um novo 25 de Abril começando a mobilizar-nos por estas causas. Vem ao SIDADANIA e junta a tua voz aos que lá se revoltam.
Abraço

samuel disse...

Olha que coisa bem "contada"!

Pata Negra disse...

Watchdog
Nasci no quarto de uma casa de campo mas vivi o PREC entre a minha aldeia e uma cidade de província. Lembro-me de andar de sede em sede a pedir autocolantes dos partidos, e das movimentações de 75 nessa cidade. Tenho pena de não ter 18 anos nessa altura, hoje seria o mesmo -talvez! - mas teria vivido a coisa de outra forma. Mas, o mais importante é que há qualquer coisa que nos identifica e talvez sejam estas pequenas coisas!
Um abraço em Abril

Oliva Verde
Temos infância e adolescência suficientes para desejar e lutar por um novo Abril.
Um abraço em Abril

Silêncio
O mal do 25 de Abril não é ter ficado incompleto, é ter sido interrompido. Valham-nos aqueles que em cada dia nos trazem mais uns grãos de Abril - como tu!
Tenho acompanhado a tua luta, estou solidário, pena é que no meu discurso e na forma que assumi de estar aqui, na blogosfera, não seja fácil enquadrar-me no teu trabalho.
Pronto, está bem, estou a desculpar-me!
Um abraço com um pedido de desculpas

Samuel
E os teus contos? A tua forma de abordar as trapalhadas dos nossos escolhidos pelos outros!
Um abraço cantigueiro

Zé Povinho disse...

Tudo a preceito, desde a linguagem ao Vilhena, sem esquecer aquela triste figura de quem cantou a Grândola, sem o mínimo de convicção. Pudera!
Abraço do Zé

Anónimo disse...

Boa noite Majestade.
Embora receando maçá-lo, ouso a contar aqui um naco, digamos assim, da minha vida.
Nasci e cresci numa pequena aldeia em que as pessoas devera importantes eram o padre, o médico e o farmacêutico (o SNS de então), o professor primário e o Dr. Videira, um advogado que casou rico e que nunca exerceu. Por coincidência eram todos salazaristas convictos.
O meu Pai, pequeno comerciante, repetia uma máxima de então, «a minha política é o trabalho», tentando assim não afugentar os fregueses, o que aconteceria se fosse tido do “reviralho” (contra as políticas do governo = a comunista).
Acabado o antigo 5.º ano, vim ajudar o meu Pai, já um pequeno industrial. Como era inevitável ir parar à guerra, anos depois, estudando de noite, tirei o antigo 7.º ano, que garantia o posto de alferes miliciano. E lá fui parar à guerra colonial sem nada saber de política. Como muitos outros, foi LÁ, na guerra, vendo, ouvindo e meditando que compreendi porque ali estava, porque política e interesses me obrigavam a lutar, que injusto e estúpido era o meu papel. Além do mais senti que tinha sido enganado, que havia muitas coisas que eu ignorava e decidi, quando (e se!) regressasse continuar a estudar.
Frequentava o 3.º da Faculdade quando aconteceu o 25 de Abril. Não me surpreendeu mas alegrou-me imenso. Foram dias de festa que tiveram o seu momento mais alto no 1.º 1.º de Maio vivido em liberdade. Dia jamais inesquecível!
Depois…, bem, depois veio o desencanto. Mas essa parte fica para outra altura.
Os meus respeitos a Vossa Alteza e Sua Real Família.
O se umilde servo (vide acordo ortográfico),
Alberto Cardoso

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Não tens que pedir desculpas porque tu és do mais genuíno que encontrei no mundo virtual. Muito igual a ti próprio, aos teus ideais de justiça, à verdade em que acreditas.
Dar-te um abraço é já um motivo de orgulho para mim.
Às vezes peço uma ajudinha porque não temos Estado social com capacidade de dar resposta às situações. E as situações existem e carecem de respostas urgentes. Aderir é dar força. E a força é precisa com governos que só se governam e os outros que se amanhem.
Por saber que és sensível a isto peço ajuda. Mas só por isso. Acho-te excelente assim como és. Há poucos como tu.
Abraço

joshua disse...

Os cabrões cabriolam e acabrestam o Povo numa tendência comportamental de pais para filhos. A voz não vibra por Grândola nem vibra com moedas os nossos bolsos. O 25 de Abril é já uma Primavera tornada a mais áspera invernia. Morrem os ideiais. Nascem pragmáticos os filhos dos outros. Temos medo de insuflar neles ideal. É o fim.

Abraço finaleiro num sentir abrilado.

PALAVROSSAVRVS REX

Compadre Alentejano disse...

O Ideal do 25 de Abril ainda está bem presente, mas num cantinho, bem escondido, para que não roubem o resto...
Desde que o Cavaco passou pelo governo, Durão Barroso e Sócrates, todos tentaram diminuir o peso simbólico do 25 de Abril. Lembram-se dessa animalesma chamada Nuno Morais Sarmento, ministro do Furão, e tirou o r da revolução e colocou um e? Dizia ele que tinha sido uma evolução e não revolução...
Um abraço e bom 25 de Abril
Compadre Alentejano

José Lopes disse...

Cada vez está mais presente o ideal do 25 da Abril, pois são muitos os que vêem a sua vida a andar para trás.
Emagrecemos sem necessidade de fazer dieta, graças a uns quantos que engordam à nossa custa.
Cumps

Anónimo disse...

Majestade, o 25 de Abril não morreu como nos querem fazer crer.
O 25 de Abril está dentro de cada um de nós, pelo menos, dentro daqueles que o viveram. Até porque Natal é quando um Homem quiser.
VIVA O 25 DE ABRIL. VIVA A LIBERDADE. O POVO É QUEM MAIS ORDENA.
Quem é que não se lembra destas frases revolucionárias. Eram gritadas em todas as cidades vilas e aldeias.
E aquele 1º de Maio em liberdade, Majestade. Ainda hoje os pêlos se pôem em pé. Que grande dia.

A. João Soares disse...

Caro Rei,
Um texto bem expressivo, seguido se comentários que, em conjunto, bem retratam aquilo que foi e devia ter sido Abril. Aquilo de que Portugal necessitava não chegou. Fazer outro golpe semelhante? Já nos gbastam os três que aconteceram no século pssado para ver que nada melhorou para o povo trabalhador (nem o 5/10, nem o 28/5, nem o 25/4). Tudo foi um engano, de que apenas beneficiaram os tubarões que engordaram à custa dos desprotegidos, dos que ganham a vida com o seu próprio suor.
Temos que continuar, reforçando, a manifestar o nosso desagrado por tudo o que devia estar melhor, reclamar na defesa dos direitos que nos devem ser garantidos, a não deixar que nos pisem os calos. Não é preciso mudar de regime, porque todos são maus. É imperioso que se exija dos eleitos que cumpram as funções para que foram escolhidos, em vez de apenas se interessarem pelos seus interesses individuais, como tem estado a acontecer. Tem que haver uma evolução moral, rápida daqueles que se consideram donos do rectângulo.
Os portugueses merecem governantes honestos incorruptíveis, com sentido de Estado, e o Estado é mais o povo do que o território ou os parasitas que o sugam.

Abraço
A. João Soares

Ferroadas disse...

Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao Povo
O que o Povo produzir

Abraço e viva a revolução

Olinda disse...

O 25 de Abril de 1974,foi a maior revolucao da histôria de Portugal.Nao creio que houvesse outra,que trouxesse tantas transformacoes positivas para o povo.Sô,quem nao passou pelo antes,ou nao tentou saber melhor como se vivia neste paîs,pobre,cinzento e repressivo,diz que ê preciso outro 25 de Abril.Nao,nao ê preciso,o que ê preciso ê defender este,e nao deixar aniquilar as caonquistas ganhas com a revolucao,como estes governos de alternancia,tanto se empenham.Na verdade,temos sido muito tolerantes,quando assistimos ao ataque dessas conquistas.Temos que merecer o respeito dos nossos filhos e netos,reforcando os valores de Abril.

25 DE ABRIL SEMPRE!FASCISMO NUNCA MAIS!

Camolas disse...

Nós conhecemos a utopia ! ela existiu !

Zambujal disse...

Majestade mesmo!
O que tu despolestaste com alguns "cabrões" bem metidos em curtos textos!
Um forte abraço de muito respeito... mas também de exigência.
És, como dizia um outro, dos imprescindíveis. E há-os!
Conhecer os outros - que nós somos -, respeitá-los no que são/somos.
Continuar a luta. Enquanto!

As crianças... as flores da nossa luta, dizia um Amílcar que assassinaram! porque simbolizam o futuro. Deles? Não! o Futuro que depende dos que passaram, dos que são, dos que estão a começar a ser.

Um forte abraço