sábado, 2 de agosto de 2008

O fim último da vida não é a excelência

Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos.
Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.·
Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito.
É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos.
A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a FELICIDADE!"
João Pereira Coutinho, jornalista

8 comentários:

AnA disse...

Realmente tudo o que nós queremos é a felicidade. Tudo o que eu quero para a minha filha é que ela seja feliz. Infelizmente ou felizmente, essas etapas que o post descreve são necessárias para o desenvolvimento da criança. Não vejo mal nenhum, de uma forma equilibrada proporcionar aos nossos filhos ferramentas que mais tarde eles irão ou não necessitar para procurarem ser felizes. Sou contra o facto de ocuparmos as crianças a 100 % em actividades . Eles precisam de tempo para serem crianças. Mas, não vejo mal em dar-lhes ferramentas para no futuro serem adultos equilibrados e felizes. Nas ferramentas obviamente incluo valores humanos e morais. Educar não é fácil.É talvez o desafio maior da minha vida. Se a minha cria conseguir ser um adulto equilibrado e feliz, cumpri a minha missão.
Bjo

Zé Povinho disse...

1º o Freddie Mercury que tinha pancada, mas também tinha boa voz, isso é inegável.
Quanto ao João Pereira Coutinho, até que acertou no que estão a pretender implementar - o tal sucesso - mas não é um novidade, já tinha sido tentada no Japão, e o resultado foi um aumento brutal dos suicídios, um fiasco quase que absoluto, que tentaram depois contrariar com as reuniões frequentes dos grupos de trabalho, onde se tentavam fomentar os grupos de trabalho coesos, dando mais importância ao grupo do que ao indivíduo de per si, que estava a dar resultados desastrosos nas empresas e mesmo na organização social.
Bom fim de semana
Abraço do Zé

Anónimo disse...

O Coutinho tem pinta a escrever!

Bom fim de semana.

Oliva verde disse...

Felizmente, parece-me, alguma lucidez ainda nos vai permitindo deixar brincar as nossas crianças e, com alguma tranquilidade, vê-las crescer transmitindo-lhes a possibilidade da escolha de outros caminhos que não os do suposto sucesso!
Felizmente, parece-me, alguma lucidez vão tendo os nossos filhos quando percebem que a felicidade está nos dias que souberem viver!

Anónimo disse...

Aqui está um texto a que, num primeiro momento, instintivamente, aderimos e até aplaudimos. Mas se pararmos um pouco para pensar reconheceremos que, o Mundo ideal para o autor, já não existe. O que ele lamenta é a mudança dos tempos. Diz ele “Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar.” Resumidamente: os filhos dos ricos eram ricos, os filhos dos sapateiros eram sapateiros, os filhos dos pedintes eram pedintes, e por aí fora…
Este é um anseio da direita radical e o João Pereira Coutinho é um porta-voz dessa direita. Admito que gosto de ler os seus escritos, lhe gabo a inteligência mas me incomodam os seus arroubos de intelectual que conhece de cor todos os clássicos desde a antiguidade até aos que ainda estão no prelo. É um vaidoso convencido que adora passar atestados de ignorantes e iletrados a quem o lê!
Mas a prova provada de que é inteligente pode-se avaliar pelo facto de ter conseguido que o nosso querido “Pata Negra” ter aqui «colado» uma das suas crónicas. À primeira todos caem…
Um abraço.

Abrenúncio disse...

Ora aqui está mais um Marreta como deve ser!
Abaixo a excelência! Viva a Mediocridade!
Saudações do Marreta.

José Lopes disse...

O JPC é reconhecidamente de direita, inteligente mas elitista. Eu também sou contra uma formatação das criancinhas incutindo-lhes nas cabecinhas que o objectivo único da vida é o sucesso. O mundo é composto de muita gente com qualidades e defeitos, uns com capacidade de liderança, outros de execução, mas todos deviam ter oportunidades na vida, para serem respeitados profissionalmente e felizes na sua vida privada. Não haveriam génios se não houvessem também outros "ditos" medianos ou "normais" que levassem por diante as suas ideias e na prática as realizassem.
Cumps

Compadre Alentejano disse...

Concordo com o João Pereira Coutinho e costumo dizer que a criança, quando nasce, traz já um manual de instruções...
É a vida...
Um abraço
Compadre Alentejano