O filho do senhor António já se tinha safado da tropa. O filho do senhor António não tinha namorada. O filho do senhor António já tomava conta do escritório e era ele que, ao sábado ao fim da tarde, fazia os pagamentos aos operários.
O Laurindo tinha por hábito deslocar-se, entre a sucessão dos seus destinos, sempre em corrida, imitando o som de uma motorizada e com os braços e as mãos em posição que simulavam a condução. Nas suas partidas, raspava com as solas dos tamancos no chão, imitando o patinar dos arranques bruscos desses veículos.
Este comportamento acabava por denunciar a sua passagem pelos meandros da fábrica ou pelas ruas da aldeia. Nos tempos em que a escola não me permitia fazer-lhe companhia, ele acabava por me ir visitar a minha casa. Como eu morava no extremo oposto, na saída do lugar para sede de freguesia, toda a gente sabia da nossa relação.
Muitos eram os que lhe dirigiam a repetida e conhecida pergunta, obrigando-o a meter duas mudanças, para lhe ouvir a resposta de sempre:
- Pra onde vais ó Laurindo?
- Vou ao João!
- De onde vens ó Laurindo?
- Venho do João!
O “motociclista” teria, no mínimo, quatro ou cinco diálogos destes durante cada trajecto largando pelas ruas a sua querida presença, levando de cada inquiridor um pouco de companhia.
Ao sábado, ao fim da tarde, era certo, eu acompanhá-lo-ia, estrada abaixo, também a acelerar. Como era dia de pagamento, a minha mãe apoiava a minha ida para que o meu pai não demorasse. Com dinheiro nos bolsos, os homens saíam do escritório da fábrica para a taberna do Costa e, claro, uma criança podia calar-se com dois rebuçados mas ao terceiro começava a chatear:
- Vamos embora pai! Ó pai! Vamos embora! Ó pai já é de noite! Ó pai já chega!
Naquele dia, ainda os homens andavam pela fábrica, já eu e Laurindo estávamos sentados nos degraus da escada do escritório. O filho do senhor António, dando pela nossa presença, veio à porta e:
- Também vêm receber?! Venham cá!
Mais uns caramelos franceses – pensámos! Mas não, desta vez foram pagamentos de outra massa, uma nota de Santo António a cada um!
E entre respeitosos obrigados – convém recordar que nós também fazíamos algum trabalho produtivo para a firma – saímos, cada um na sua “mota”, sem esperarmos pelos assalariados séniores. O Costa, quando nos viu entrar triunfantes deve ter pensado:
- Aí vem a canalha! Deixem-me preparar os copos que os bons fregueses vêm atrás!
Deve ter mudado de pensamentos e olhares quando nos viu acenar, cada um com a sua nota e, num coro de acaso, a pedir como homens:
- Dois copos de traçado!
O Laurindo tinha por hábito deslocar-se, entre a sucessão dos seus destinos, sempre em corrida, imitando o som de uma motorizada e com os braços e as mãos em posição que simulavam a condução. Nas suas partidas, raspava com as solas dos tamancos no chão, imitando o patinar dos arranques bruscos desses veículos.
Este comportamento acabava por denunciar a sua passagem pelos meandros da fábrica ou pelas ruas da aldeia. Nos tempos em que a escola não me permitia fazer-lhe companhia, ele acabava por me ir visitar a minha casa. Como eu morava no extremo oposto, na saída do lugar para sede de freguesia, toda a gente sabia da nossa relação.
Muitos eram os que lhe dirigiam a repetida e conhecida pergunta, obrigando-o a meter duas mudanças, para lhe ouvir a resposta de sempre:
- Pra onde vais ó Laurindo?
- Vou ao João!
- De onde vens ó Laurindo?
- Venho do João!
O “motociclista” teria, no mínimo, quatro ou cinco diálogos destes durante cada trajecto largando pelas ruas a sua querida presença, levando de cada inquiridor um pouco de companhia.
Ao sábado, ao fim da tarde, era certo, eu acompanhá-lo-ia, estrada abaixo, também a acelerar. Como era dia de pagamento, a minha mãe apoiava a minha ida para que o meu pai não demorasse. Com dinheiro nos bolsos, os homens saíam do escritório da fábrica para a taberna do Costa e, claro, uma criança podia calar-se com dois rebuçados mas ao terceiro começava a chatear:
- Vamos embora pai! Ó pai! Vamos embora! Ó pai já é de noite! Ó pai já chega!
Naquele dia, ainda os homens andavam pela fábrica, já eu e Laurindo estávamos sentados nos degraus da escada do escritório. O filho do senhor António, dando pela nossa presença, veio à porta e:
- Também vêm receber?! Venham cá!
Mais uns caramelos franceses – pensámos! Mas não, desta vez foram pagamentos de outra massa, uma nota de Santo António a cada um!
E entre respeitosos obrigados – convém recordar que nós também fazíamos algum trabalho produtivo para a firma – saímos, cada um na sua “mota”, sem esperarmos pelos assalariados séniores. O Costa, quando nos viu entrar triunfantes deve ter pensado:
- Aí vem a canalha! Deixem-me preparar os copos que os bons fregueses vêm atrás!
Deve ter mudado de pensamentos e olhares quando nos viu acenar, cada um com a sua nota e, num coro de acaso, a pedir como homens:
- Dois copos de traçado!
13 comentários:
Binte mocas? Isso dava para umas garrafas, qual mistura!
Tenho uma guardada, novinha!
Quão pouco é preciso para que se agigante em nós o homem que nos habita! Acelera rua abaixo das tuas memórias, esperamos por mais.
POis, é por isso que os números do alcoolismo são o que são e Portugal é o 2º país mais alcoólico da Europa!
Saudações de moscatel na mão do Marreta.
Nesse tempo, era muito dinheiro!
E vocês não ficaram tontos com a mistura?
Um abraço
Compadre Alentejano
É lá! Eu virava-me para o pirolito e mais tarde para a gasosa Bem Boa, que o binho, dizia a minha avó que fazia mal aos miúdos.
Cumps
Pata Negra
Imagino a cena. As motivações eram outras mas a realidade a mesma: há os que põem e dispõem e até se permitem comprar pequenas alegrias aos outros.
Abraço sem mistura
- Viajei pelo tempo, pelas tascas da minha infância em que imitando os homens grandes, emborcávamos copos de branco , daqueles pequeninos que ainda bebemos em tua casa.
Ah ganda "bezana"!
VIV'O TINTOL, BRANCOL E ADJUNTOS!
ABAIXO O SOCAS COPINHO DE LEITE COM MEL.
ABRAÇO COM SERPENTINAS.
Cheguei com atraso, mas lá fui colocando as leituras em dia, e aproveitei para beber um traçado que tinha a boca seca.
Bom Carnaval
Abraço do Zé
Bem que gostaria de um trago desse "traçado".
Cont
Cumps
Eh pâ,menos mal que o tinto era tracado!Suponho que nao afectou a conducao da motorizada.
Um abraco
O "traçado " afectar a condução da motorizada ? Por certo bagunçou traços, alinhou bem melhor às curvas e chegou à meta. :-)
É uma delícia ler os seus textos.
Eu passo sempre para relê-lo neste espaço e fico grata pela partilha da sua escrita tão singular quanto o seu singular e excepcional sentido de humor crítico e pedagógico subliminar ;-)
Um beijinho sempre amigo
da
Maria
O "traçado " afectar a condução da motorizada ? Por certo bagunçou traços, alinhou bem melhor às curvas e chegou à meta. :-)
É uma delícia ler os seus textos.
Eu passo sempre para relê-lo neste espaço e fico grata pela partilha da sua escrita tão singular quanto o seu singular e excepcional sentido de humor crítico e pedagógico subliminar ;-)
Um beijinho sempre amigo
da
Maria
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