No dia seguinte, à mal sucedida espera, foi Dia Santo de guarda. Não quereria a “enfeitada” esposa do Senhor António desagradar aos Céus já que, contrariamente ao que seria de esperar, não foi à fábrica descompor as mulheres mal comportadas! Pensaria, tal como elas, que não seria de esperar pela demora! Apresentou-se na Igreja, como habitualmente, acompanhada do marido e do filho, não demonstrando incómodo pelos naturais cochichos que a apontavam recordando as cenas do dia anterior.
Quando saíram ao átrio os fiéis foram surpreendidos por uma coluna de fumo que se erguia por detrás dos pinheirais - negro e tanto, só podia ser da fábrica do Senhor António! A certeza de tal conclusão deram-na os olhares, tantos, que se dirigiram à figura do respeitável empresário para apreciar a sua reacção. Num percurso apressado para o carro, sem largar uma palavra, deixou, atrás de si, um rosto de pedir socorro, acompanhado pelo filho – “agora é que foi o delas, pai!...” – e pela esposa e senhora - “foram elas, foram! foram aquelas putas para se vingarem!... “. A aflição foi correspondida por toda a gente que os seguiu, acudindo apressada a butes, em bicicletas ou motorizadas …
Quando os primeiros chegaram, já Laurindo, Laurinda, Canicha e mais dois ou três hereges que não eram de missas, andariam de baldes contra o inferno. Estragaram-se naquele dia muitas roupas domingueiras para acudir ao fogo. Eram baldes, eram mangueiras, eram ramos, eram pás, eram enxadas e, sobretudo, muitos braços e gritos, “acudam aqui!”, “acudam ali!”, “ai se chega ali”, “já se ouvem os bombeiros!”, “vem a caminho uma coluna militar com tropas do R7!”, “tem de se acudir às barcas e às cisternas de água-rás senão arde o lugar todo!”, “morremos aqui todos!”, “lá se foi o nosso ganha-pão!”, “ não há salvação”, “salvemos o que se puder” e, para abreviar o trabalho e disfarçar o engenho do narrador, fiquemos pelo ensejo de que só sabe o que são chamas quem já aiou por chamusco.
Mais que todos, quem o viveu mais intensamente foi Laurindo, Laurinda e a Canicha porque o viram nascer, crescer, tornar-se monstro até lhe levar os aposentos em que viviam. Foram salvas umas mantas e alguns tachos o que, parecendo pouco, era quase tudo o que tinham!
Ficou para a história da aldeia o grito da mulher de senhor António pedindo que a ajudassem à cabeça: - “Ó homens sem coragem ajudem-me aqui a esta barrica!” Não sabia a finória que se tratava de quinhentos quilos de pez louro, demasiado peso para o seu couro cabeludo que, provavelmente, nunca experimentara nem uma rodilha.
A tragédia encheu todo o feriado e só lusco-fusco o incêndio foi dado como extinto com toda a povoação a contemplar as chamas sobrantes aqui e acolá, a matéria-prima que se salvou e a fábrica quase totalmente destruída! O filho do patrão chorava para o pai que o conformava:
- Não te preocupes rapaz, já tenho para mim, para ti e para os teus filhos que ainda nem estão feitos! Ardeu?! Faz-se outra! Amanhã mesmo começará a nascer outra, com novas bombas, torneiras e tubagens, com chapas de zinco em vez de telha! Uma verdadeira indústria digna de ser visitada pelo Américo Tomás!
Quando saíram ao átrio os fiéis foram surpreendidos por uma coluna de fumo que se erguia por detrás dos pinheirais - negro e tanto, só podia ser da fábrica do Senhor António! A certeza de tal conclusão deram-na os olhares, tantos, que se dirigiram à figura do respeitável empresário para apreciar a sua reacção. Num percurso apressado para o carro, sem largar uma palavra, deixou, atrás de si, um rosto de pedir socorro, acompanhado pelo filho – “agora é que foi o delas, pai!...” – e pela esposa e senhora - “foram elas, foram! foram aquelas putas para se vingarem!... “. A aflição foi correspondida por toda a gente que os seguiu, acudindo apressada a butes, em bicicletas ou motorizadas …
Quando os primeiros chegaram, já Laurindo, Laurinda, Canicha e mais dois ou três hereges que não eram de missas, andariam de baldes contra o inferno. Estragaram-se naquele dia muitas roupas domingueiras para acudir ao fogo. Eram baldes, eram mangueiras, eram ramos, eram pás, eram enxadas e, sobretudo, muitos braços e gritos, “acudam aqui!”, “acudam ali!”, “ai se chega ali”, “já se ouvem os bombeiros!”, “vem a caminho uma coluna militar com tropas do R7!”, “tem de se acudir às barcas e às cisternas de água-rás senão arde o lugar todo!”, “morremos aqui todos!”, “lá se foi o nosso ganha-pão!”, “ não há salvação”, “salvemos o que se puder” e, para abreviar o trabalho e disfarçar o engenho do narrador, fiquemos pelo ensejo de que só sabe o que são chamas quem já aiou por chamusco.
Mais que todos, quem o viveu mais intensamente foi Laurindo, Laurinda e a Canicha porque o viram nascer, crescer, tornar-se monstro até lhe levar os aposentos em que viviam. Foram salvas umas mantas e alguns tachos o que, parecendo pouco, era quase tudo o que tinham!
Ficou para a história da aldeia o grito da mulher de senhor António pedindo que a ajudassem à cabeça: - “Ó homens sem coragem ajudem-me aqui a esta barrica!” Não sabia a finória que se tratava de quinhentos quilos de pez louro, demasiado peso para o seu couro cabeludo que, provavelmente, nunca experimentara nem uma rodilha.
A tragédia encheu todo o feriado e só lusco-fusco o incêndio foi dado como extinto com toda a povoação a contemplar as chamas sobrantes aqui e acolá, a matéria-prima que se salvou e a fábrica quase totalmente destruída! O filho do patrão chorava para o pai que o conformava:
- Não te preocupes rapaz, já tenho para mim, para ti e para os teus filhos que ainda nem estão feitos! Ardeu?! Faz-se outra! Amanhã mesmo começará a nascer outra, com novas bombas, torneiras e tubagens, com chapas de zinco em vez de telha! Uma verdadeira indústria digna de ser visitada pelo Américo Tomás!
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17 comentários:
E não é que as putas se ficaram a rir?...
Tão oportuna história nos tempos que vão correndo.
"Putas" destas ficam sempre a rir-se!
A arte do narrador está no disfarçar do engenho... ;)
Homem de coragem o senhor António!
Esse António é que era um industrial! Do calibre de outros contemporâneos do ramo da cortiça e do retalho.
Será que o filho do António seguiu as pisadas do pai e se tornou também ele uma referência empresarial?
Saudações movidas a pês do Marreta.
P.S.: Por falar em filhos e sucessores, será esse "Marreta II" aí ao lado algum candidato ao (meu) trono?
Soberbo Mejestade. Todo o dramatismo, a força, o medo, as emoções inerentes a uma tragédia, nada escapou à narração.
É uma evidência que escreve muitíssimo bem. Acresce a esse facto a sua sensibilidade muito peculiar, muito singular e os conhecimentos que evidentemente também revela da própria vida.
É lamentável que as pobres Laurinda e Canicha perdessem a casa também.
Certamente o Senhor António na nova fábrica se lembrará de construir um anexo com uns cómodos para os funcionários e realoje as coitadas. Até lá, certamente não as levou para casa dele, pois não ?
Quem teria tomado conta delas ?
Há sempre quem se disponha a auxiliar provisoriamente e sem compromisso... até melhor momento...
Até melhor, ponto.
:-)
Um beijinho amigo
Maria
Pata Negra
Isto dá livro, dá. E dos bons.
As putas... Termo que designa mulheres das classes populares que dão umas quecas sem a benção do matrimónio.
Tal designação nunca seria para a mulher do Sr.António desse ela as cambalhotas que desse.
Um bom figurante esse senhor António. Outra reacção não se esperaria do senhor da terra face ao incêndio. Noblesse oblige.
Abraço
Por vezes, é melhor começar de novo. E o sr.António parece ser um empresário muito empreendedor...
Oxalá as putas o protejam...
Um abraço
Compadre Alentejano
Ardeu, construa-se uma nova, está bem! Coitadas das ditas que ficaram sem moradia, mas isso são outros quinhendros.
Abraço do Zé
Ora aí está um verdadeiro empreendedor imune às crises, sejam elas de que ordem forem!
Agora as ditas - como lhe chama o Zé - como terão reagido?
Um abraço meio chamuscado
Muito engraçado! Escreve bem!
Tudo arde meu Caro, arde o dinheiro no banco, ardo eu com a primavera,arde a fábrica, o emprego,o cigarro. Ar de r.
poça, tens uma imaginação que até parece que estás a relatar episódios actuais...até o empresário se confunde com os actuais modelos...
abraço
Pata Negra
Hoje não há o leitão à sexta? Amigo, anima essa inspiração!
Vá lá mais um miminho como sempre nos brindas. Tu escreves tão bem!...
Olha sonhei que o PS terá nas próximas eleições uma maioria tão relativa que não consegue formar governo.
Ainda não estás animado?
Vá lá! Põe o Leitão à Sexta!
Abraço
Que tragêdia!O Sr.Antønio ê um empresârio caracterîstico portuguës,pois fugiu ao seguro!Quando o fogo,lavra na fâbrica,quem se lixa ,sao os trabalhadores.Estou atenta,ä evolucao da narrativa,que me estâ a deixar muito curiosa.
Um abraco
Uns perdem tudo, outros perdem um pouco do muito que ainda têm, e até podem vir a lucrar mais...
Cumps
BOM NATAL,UM BEIJINHO ANIGO
MARIA
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