Sete Pés assistiu ao enterro da mãe acompanhado pelo coveiro, pelo cangalheiro e pelo ajudante. Recebeu os sentimentos do trio com a expressão melancólica com que sempre viveu e desceu sozinho e em paz, entre o mármore das campas, arcanjos e epitáfios, até à saída do cemitério. Engoliu, soluçando, pensamentos que se desfiavam e emaranhavam desde o dia em que nascera até às pazadas de terra que ainda ouvia ecoar.
Finalmente desapertara-se o seu único laço parental, entregue a mãe, sentia-se livre para enfrentar o mundo e a vida. Adorava a solidão, não gostava do lar nem do trabalho, adorava correr mundo, amava a liberdade da aldeia mas detestava os preconceitos dos aldeões que o detestavam por ser filho de quem era.
De pequeno, recordava os tempos em que os conterrâneos o corriam à pedrada e o tratavam por Filho da Puta. Como ele fugia com desembaraço e porque, a certa altura, talvez tivessem achado demasiado cruel a alcunha, começaram a chamar-lhe o Sete Pés. Certo é que a sua presença não era desejada à porta de ninguém. Enquanto cresceu, Sete Pés foi percebendo que, apesar de frequentemente ouvir chamar filho da puta a muita gente, o seu caso era mais sério, ele não era um filho da puta qualquer, a sua mãe era mesmo puta de ofício. Ora, nada mais trágico do que um menino tomar consciência de que é filho duma puta e, ainda por cima, ser conhecido e tratado por Filho da Puta.
Não seria só pela mãe que era corrido; por vezes tinha fome e roubava fruta. Uma vez roubou um par de calçado, facto que lhe valeu a fama de larápio. Aquelas sapatilhas estavam mesmo a pedi-las: as duas, lado a lado, no arrebate da casa a apanhar sol, com ar de quem não entrou para tomar ar e não sujar o chão finório, a olharem para os seus bonitos pés descalços e zás, toca a correr a sete pés, rua abaixo. Quando encontrou um local recatado para as experimentar teve um laivo de consciência e deixou-as ali mesmo:
- Gaita para os meios pequenos, não as posso usar, o dono vai reconhecê-las!
Alguém o viu correr com elas na mão - uma aldeia pode parecer deserta mas existem sempre olhos vigilantes por detrás dos postigos, dos muros, das moitas ou das ovelhas – e Sete Pés acabou por ser julgado por todos os que tiveram conhecimento do ilícito e castigado pela acentuação do desprezo que por nascença lhe moviam.
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Depois do Quarto, da Fábrica e do fracasso da história que não consegui acabar porque não encontrei título, proponho-me a mais um folhetim. Desta vez irei até ao fim, custe o que custar. Todas as segundas! para a semana há o dois.
Abaixo os romancistas, a literatura e o desporto de competição! Isto é apenas para ver se encolho a barriga!
8 comentários:
Olá Majestade. (Cá está, outra vez, o chato, pensará Vossa Alteza).
É com grande alegria que constato que regressa aos contos. Este ´Sete Pés` promete ser um protagonista digno dos das anteriores histórias que deliciaram os que têm a sorte de conhecer e ler este blogue. É pena faltarem ainda tantos dias até ser outra vez 2.ª feira.
Saudações para o Rei, Rainha, Príncipe, Princesa e Real rafeiro.
Alberto Cardoso
Já cá faltava um folhetim. Desta feita de um F da P, alegoria perfeita deste país. Ou talvez não porque este parece apenas sê-lo de alcunha...
Gostei, o início promete.
Força amigo Pata Negra!
O começo é promissor, vamos lá esperar pelo desenrolar da trama.
Abraço do Zé
Sábado, 4 de Setembro, às 14h, em frente à embaixada francesa em Lisboa, manifestação de repúdio contra as deportações de ciganos.
Grande notícia!
Este comeeço fdep faz-me esperar ansioso a próxima 2ª feira. Venha ela a 7pés.
Um abraço
Em todas as terras há sempre um filho da puta, filho genuína da dita cuja que desmamou e continua a desmamar todos os jovens da zona...
Alguns, até para o governo foram...
Abraço
Compadre Alentejano
Gostei muito deste texto, do tema e do modo como o abordou.
Depois do bloguer me apagar por duas vezes extensos comentários neste post, melhor é não dizer mais
:)))
Um beijinho amigo, Majestade
Escrita deliciosa e irrepreensível !
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