segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

23- O Caminho do Fim da Terra

O autor entendeu, porque sim, por passe ou toque de escrita, mudar o título à história de “Sete Pés” para “O Caminho do Fim da Terra”. Poderá parecer apenas um capricho, uma vulgaridade mas “caminho”, “fim”, “terra”, “Caminho do Fim”, “Fim da Terra”, “Caminho do Fim da Terra”, são significados que se enfiaram na tinta do teclado.

Entretanto, há vinte e três semanas que estendo este pedaço de pacata prosa para contar apenas seis dias do Caminho – hoje é quinta feira de aleluia - de Sete Pés e Marie France. Talvez esta coisa tenha uma duração de telenovela, talvez tenha um fim súbito devido a uma entorse causada por uma pedra do Caminho. Uma coisa é certa, terá Fim.

Aproveito o aparte para reconhecer que sinto a amizade e o calor dos alguns e dos alguéns que me têm acompanhado na caminhada, particularmente daqueles que, com os seus comentários, têm dado água a Sete Pés para que ele caminhe e tenha força na verga para “acaminhar” com Marie. A revelação da vossa presença é a melhor retribuição que posso ter. Aqui não há dever, apenas prazer!
Peço desculpa pela interrupção.                                    
Pata Negra


Sete Pés nem se lembrou dos propósitos delirantes que o trouxeram ali, sentiu que vencera um Bojador sem saber que ele existia ou os seus aléns. Ao fundo da rua das Hortas, nos limites da cidade, encontraram o primeiro marco com a vieira de indicação do Caminho e tomaram a direcção, quase sem falarem.

Enquanto não desapareceu definitivamente a vista das torres da catedral, Pé de Atleta dava, de quando em vez, uns passos de costas para experimentar a sensação de as ver cada vez mais longe.

Partir de Santiago, o local onde se quis chegar, dá volta à cabeça, põe todas as coisas ao contrário, parece que se parte com a mochila desarrumada com o convencimento de que no fim do novo Caminho ela estará no estado de preparação com que primeiramente estava quando se partiu de casa para Compostela. Acredita-se que a forma física com que se chegará ao novo fim será melhor do que aquela do princípio do primeiro caminho. O espírito desconstrói-se e reconstrói-se a cada gesto ou passo, largando de si tudo o que se soltar, agarrando para si tudo o que estiver à mão. Nunca mais se é o mesmo!....

E ia Pé de Vento soprando estas idiotices quando todos sentiram que a forma física lhes falhava ao pensamento. Pé Ante Pé lembrou que, como partiram em cima do joelho, iam em jejum, sem água, dados à Providência. Numa daquelas intermináveis subidas que aparecem nos caminhos e que parecem que vão em direcção ao céu, Água Pé desfaleceu. Foi necessário Marie voltar atrás e socorrê-lo com água da sua e com chapadas se bem que, só com o boca-a-boca ele reanimou e sorriu de malandro. Ela, também marota, deu-lhe um estalo misto de carícia e castigo, de afecto e rejeição. Foi novo o facto de já não serem peregrinos independentes porque permaneceram por ali os dois, mais de meia hora, à espera que se recompusesse da fraqueza e, esse tempo teve uns beijos na testa a medir temperaturas, umas molhadelas de água na cara com uns beijitos a fechar, manifestações humanas a confirmar: estamos juntos!

Depois de dobrar o monte, este se render ao vale e o vale oferecer o rio Tambre, encontraram no lugar balnear de Ponte Maceira, a esplanada ideal para abrirem o namoro. Conversa para aqui e para acolá, olha ali, olha lá, cerveja é ideia má, que espectáculo de chá, que lugar espectacular, e já está: um poderoso beijo de sete segundos, a sete bocas, assinado no final por uma demora igual de olhar.
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

11 comentários:

mfm disse...

Gostei muito,em particular do parágrafo: Partir(...)[do]local onde se quis chegar,dá volta à cabeça. (...).Nunca mais se é o mesmo.
Abraço rendido

samuel disse...

Com sorte, estamos sempre a partir de lugares a que quisemos chegar...
A estória, agora a caminho do "fim do mundo", promete muito mais emoção.Desmaios já há. :-)

Abraço.

do Zambujal disse...

... e pronto... lá se fica à espera da próxima 2ª. Fiz, desta feita, o disparate de ler este episódio "à saida do forno", o que vai tornar a semana mais longa.
A gente há-de encontrar-se por aí, oh! cronista dos caminhos e peregrinações.

Um abraço

José Lopes disse...

Como 7 é um número mágico, e aqui está associado a uma peregrinação, por isso vamos abençoando a harmonia dos caminhantes...
Cumps

antonio ganhão disse...

Gostei do relato descontraído deste regresso de peregrinação, depois do dever cumprido, do sonho alcançado eis a descontracção do fim dos tempos...

Continua que estamos à espera do fim.

Zorze disse...

Mais um pouquito e estávamos na Finisterra.

Abraço.

MARIA disse...

Majestade,

É verdadeiramente bela a forma como usa as palavras, as imagens de estilo que utiliza, o fio condutor do "pensamento" construtivo da estória é extraordinário.
É francamente uma beleza, um prazer lê-lo.
Sempre gostei da sua escrita, mas parece-me que se suplanta sempre que o leio.
Obrigado por partilhar aqui os seus escritos.

Espero a continuação, afinal depois de um beijo de 7 segundos é sempre de esperar algo mais.

Para si um beijinho sempre amigo

Maria

MARIA disse...

NB . Não o tenho referido, mas também as imagens com que vem ilustrando os textos são maravilhosas.
Linda esta do Rio!

Saudações a nobre Alberto Cardoso
Um beijinho amigo Majestade

Alberto Cardoso disse...

Olá Majestade.

Como já antes aqui escrevi, deixo para a doce Maria os comentários aos Seus textos porque os subscrevo por inteiro e eu não seria capaz de os fazer tão bem.
(Permita-me, Majestade, que agradeça e retrbua as saudações que a doce Maria me endereçou numa intervenção anterior).

O que aqui me trouxe foi o medo. Como os nossos herois se aproximam de Finisterra, tenho medo que também esteja prróximo o fim desta narrativa. E depois? Se acabar a estória como é que vai ser a nossa vida? Tenha dó, Majestade!

Tenho esperança que a chegada a Finisterra abra uma janela de oportunidade de forma a alavancar a narrativa e alterar o paradigma da conjuntura. ( Este parágrafo é para provar que, além de português, arranho politiquês, economiquês, financês e estupidez).

Alberto Cardoso

opolidor disse...

Pata

juntando todos os pedaços, digamos que, saíu um grande "pedaço". Parabens.

abraço

Cristina Torrão disse...

Um episódio cheio de ternura, já cá faltava :)