Decidiram jantar a dois, em sítio de “não interessa o preço”. Ele foi procurar quarto e ela compras. Marcaram encontro, seguros de que nenhum deles era da espécie de falhar, às sete, ali mesmo, naquele local.
Marie vestiu a autoridade das escolhas e fez questão de pagar a conta. Ceado o requinte peregrino-burguês, acabaram por prolongar a noite num bar, pouco cuidado, onde entraram porque se aperceberam que aí se tocava e cantava sem amplificadores, palco ou formalidades de espectáculo. Pela decoração do espaço, pelo ambiente que se respirava e pelo teor das canções aperceberam-se que se tratava dum ponto de encontro de independentistas galegos.
Já sentados, em curtas observações, assentaram que existiam condições para ali consumar o serão de despedida ou não se respirasse na atmosfera do local uma confluência de romantismos e utopias que ambos cultivavam como se comprovava, aliás, pela forma e pelas vontades com que haviam Caminhado.
O diálogo de Pé Descalço com o homem que serviu, denunciou a presença portuguesa. Curiosamente o galego não tocou no Porto nem no Benfica mas foi directo ao José Afonso, ao 25 de Abril e à questão histórica-linguística do galaico-português. Ao fim de algumas dessas, rematou:
- Quando um galego encontra um português sente que pertencer a Espanha é coisa de reis e de golpadas reais.
- Somos todos galegos!
Acrescentou Pé-Ante-Pé. E Pé de Vento:
- Na minha aldeia quando vêem muitos miúdos juntos perguntam: “Pariu aqui a galega?!
O tema criou entusiasmo sob a presença marginal de Marie que, mesmo percebendo muito pouco, dispensava todas as atenções à conversada.
Não demorou muito tempo até que todos os clientes, todos com estar de habituais, se apercebessem da presença dum português na sala, a julgar pela convergência e simpatia dos olhares, rara e bem vinda. Não demorou muito tempo até que os músicos lhes dedicassem Zeca e Adriano e que a voz portuguesa de Água Pé ficasse só a cantar “O Cantar da Emigração”. Aguentou a iluminação dos “olhofotes” porque se lembrou de que para ser actor teria de esquecer que havia público e só avermelhou o rosto frágil quando, subitamente, se esmoreceu num “... cortar teu pão” final, sentindo os aplausos da plateia a agitar os fumos dos cigarros e a acusar a revelação do artista que nunca tinha sido experimentado.
Marie estava encantada pela intervenção do seu rapaz e aliviada pelo facto de ver comprovadas as distâncias que nunca os poderiam unir. Tudo não passaria de um caso secreto e efémero, presente do Caminho.
Água Pé entusiasmado com a conversa esticou-se até ser incompreendido:
- Lá no fundo eu até vos invejo! Tenho pena que Portugal seja independente de Espanha!...
Cada um dos ouvintes revelou em cada olho um ponto de interrogação desbotado mas o provocador remediou com um esclarecimento piadético:
- …para poder pertencer a um movimento independentista!!!...
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.
9 comentários:
Porque será que começo a ter uma imagem dos pés ... e da cabeça...?
Abraço do Zé
Saudade da Galiza! Já mais do que uma vez passei pelo mesmo, as mesmas conversas, as mesmas cantigas... mas sem francesa. :-)))
Abraço.
Tal qual. Andamos todos exactamente assim - à roda, sem sairmos do mesmo sítio.
mfm
Majestade, admiro a sua escrita.
Admiro, sinceramente o modo bonito como lida com a linguagem escrita, mas também a sua criatividade e imaginação e a sua capacidade de descrever realidades conhecidas tão rigorosamente.
Sobre este par não lhe direi mais.
Aguardo.
Em homenagem à sua "Marie da Galiza" deixo-lhe para o caso de não conhecer esta canção.
http://www.youtube.com/watch?v=q5-B197VWFw
Um beijinho amigo
Pequeno Grande texto.
Assim se escreve em galaico-português com uns toques em francês (isto é, na francesa...)
Grande abraço
Um peregrino independentista. Inconformado dos sete pés.
Pata
não há dúvida, este par promete, promete dar pelo menos mais uma trancada...
abraço e ainda que desististe da PR
Minha nossa, que polidor não pouco polido! Que ordinário. Um bruto.
JFrade
Mau Maria (ou Marie)! Com esta história, ainda esquecem a "trancada"...
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