segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

24- O Caminho do Fim da Terra


Só se chega ao albergue de Negreira depois de atravessar a cidade. Por isso, jantaram primeiro num restaurante do centro e só depois pousaram para a noite. Contrariamente ao que havia acontecido no Caminho Português onde pernoitaram quase sempre sós, encontraram ali dúzia e meia de peregrinos, alemães, holandeses, franceses, italianos, nenhum português, alguns pedestres mas a maioria de bicicleta. Andavam ou estavam no exterior, na sala, na cozinha, nos balneários, nas camas ou à volta delas, pelo que demorou algum tempo até o nosso par encontrar e acomodar o seu espaço de repouso. Perante o cenário Pé Descalço desabafou para Marie:
- Não me agrada nada este ambiente, para mim mais de três pessoas é uma multidão!
- E duas pessoas? São o quê?!
- Somos nós!

- Ora! Dentro de cada um de nós existem várias pessoas! Par exemple, cette femme que te está aqui a massajar os Pés não é a mesma mulher que deixou um marido numa vila dos Alpes com o telecomando nas mãos, nem sequer é a mesma que te viu em Tuy! Foste tu que me disseste que sempre te chamaram Sete Pés, pressinto que nenhum dos teus Pés vive o mesmo Caminho. Quando trato os teus pés, seja a massajá-los, seja a cuidar das bolhas, seja a acariciá-los, tenho a estranha sensação que eles se transfiguram mudando de forma e tacto… Porque começaram eles agora a estremecer?! Tens cócegas?

O estremecimento teria tido origem numa reacção em cadeia dos sete pés! O desvendar por terceiros de um segredo da mais profunda e pessoal intimidade pode pôr em pânico o seu guardador. Para disfarçar a sua existência séptupla, Pé Descalço desatou a rir e recolheu os pés:
-Pára! Tenho cócegas!...

Parte dos albergados não revelava intenções de fé apostólica romana, salvo um italiano ou outro com ar de missão e umas francófonas com jeitos conventuais, estes com rugosidades da casa dos cinquenta além. Os restantes eram jovens “flower power”, pelo menos nos trajes e nos cheiros, em grupos de dois ou três, ou quatro, ou solitários como Sete Pés.

Mas nem Marie, nem os Pés escaparam ao ambiente de partilha e boa disposição criado com surpreendente espontaneidade. No alpendre e na sala de convívio houve bom serão com intercâmbio de experiências de caminhos e até havia quem cantasse baixinho. Toparam-se ou toleram-se uns cigarros suspeitos mas discretos e a pouco e pouco, com o avançar da hora, respeitosamente, cada qual acabou por adormecer no seu canto. As camas de Marie e Sete Pés estavam encostadas uma à outra o que permitiu que adormecessem de braços tocados, impedidos pela proximidade da vizinhança de consumarem o que quer que fosse.
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

7 comentários:

antonio ganhão disse...

Na partilha salutar existem sempre desejos que ficam de fora... ficámos com fome.

Zé Povinho disse...

Naquela partilha espontânea, roçando mesmo a cumplicidade colectiva, os desejos carnais ficam em segundo plano aguardando o resguardo necessário para naturalmente se expressarem em todo o seu esplendor.
Abraço do Zé

Zé Marreta disse...

Tirando alguns "pecados" a que até o São Tiago deve ter renunciado mesmo antes de ser santo, não há dúvidas que o caminho até ao fim da terra tem sido muito católico...

Saudações do Zé Marreta e aponta aí na agenda que dia 6 de Março é dia Santo.

Compadre Alentejano disse...

Quando é que o Sete Pés atinge o fruto proibido? "Tá" na hora...
Abraço
Compadre Alentejano

MARIA disse...

Maravilhoso o texto, Majestade, tal como nos tem habituado.
Esses impedimentos... esses impedimentos ...
Que nem um homem com 7(sete) pés consegue ultrapassar...

:)

Um beijinho amigo

Maria

MARIA disse...

Acredito Majestade que nenhum dos setes pés quer saltar para ramo verde... é sensato !

:)

opolidor disse...

Pata:

La Marie deixou o marido com o comando na mão... safada.

abraço