segunda-feira, 28 de março de 2011

Cum trinta e um! Sete Pés!...

- Cheguei!
- Molhado!
Pelos atrasos, provocados pelos contratempos da etapa, era ponto assente que não conseguiriam chegar naquele dia a Finisterra.
- Ainda bem! - concluiram - não temos pressa nenhuma de chegar!
Contudo, seria bom que, antes do anoitecer, conseguissem alcançar a primeira aldeia que o mapa assinalava junto ao mar e aí procurar abrigo e alimento. Foi com esse objectivo que aceleraram o andamento, sem nunca se perderem de vista um ao outro.

Era de postal o que se via, o areal da praia ao fundo, dividindo o mar dos pinhais e canaviais. Estavam numa meia encosta, a uns trezentos metros, acabavam de sair dum carreiro do mato e encontrado uma estrada asfaltada que, igualmente com mais trezentos metros, conduzia a uma aldeia que, à primeira vista, aparecia dispersa e de poucas casas. Obrigatoriamente ficariam por ali, fosse onde fosse. Aquele era o cenário ideal para se acordar. Quem diria que ainda existiam povoações com praias e sem reclames da coca-cola!?

Um tractor agrícola, vindo dos campos para a aldeia aproximou-se e, em comando automático, ambos lhe acenaram pedido de paragem. Pé Ante Pé explicou ao condutor a situação e este, sem demonstrar receios de forâneos, habituado que estava às gentes do Caminho, arretou positivamente. Largou o volante, pôs pés em terra e de voz alta, para vencer o ruído do motor, ajudou-os a subir para a carroçaria e formulou a apresentação:
- Xésus Agrelo! Benvindos a Padrís!

A casa onde parou o tractor, distanciada umas centenas de metros do aglomerado do povo, era de agricultor. Do outro lado da estrada, do lado do mar, ficava a casa que herdara dos avós. Quando calhava arrendava-a nos meses de sol a pessoas que gostavam de passar férias em praias sem reclames da coca-cola. Por uma noite não pagariam nada, se quisessem ficar mais tempo era uma questão de negociar.

A casa estava composta com  móveis e utensílios, uns que serviram os que ali fizeram família, outros que eram sobras  do herdeiro que para lá ia mudando as coisas que transbordavam da casa farta de ex-emigrante. Este, regressara à terra ainda com forças para cumprir o seu destino, outrora interrompido pela necessidade de ir aliviar as necessidades num país estrangeiro - tudo correra pelo melhor e agora era um agricultor, com descendência no Canadá, que contentamente dava continuidade à terra dos seus!

Arrendar a casa era  para si uma alegria. Vê-la habitada, ter vizinhança que admirasse o sítio, um rendimento extra, enfim!... Mas isso não vinha ao caso! Poderiam pernoitar, oferecia-lhe da sopa que a esposa prepararia para o jantar…

- E digam lá?! Esta varanda das traseiras?! Não tem uma vista magnífica sobre o mar?! Aqui, a ouvir as ondas a enrolar e a enrolar cigarros, tão perto do azul, uma pessoa nem sabe se está no mar, em terra ou… no céu!...

Todos os pés se sentiram enrolados num único pé, um pé-coxinho apoiado pela senhora Marie que se fez traduzir pelo galaico-português do companheiro:
- Em princípio ficaremos só a noite! Mas lá que apetece ficar mais tempo, disso não tenha dúvida!...

Ficados sós, parte a parte e em ideias cruzadas, deram de si a fraqueza ou a coragem, de poderem por ali ficar uns dias, para afastarem o desfecho da chegada a Finisterra, para prolongarem o tempo do Caminho, para prolongarem num lento rodopio o leve amor. Amor?! Não! Relação?! Não! Caso?! Não! Os Pés de Marie!...

Eles os dois - ou os oito, não nos esqueçamos – a casa, a varanda, o mar, a hospitalidade do agricultor – sim, iriam ficar até… até! Não importa quando! Até dar, até apetecer, até sem data predefinida, quem sabe até sempre, até!...
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

2 comentários:

MARIA disse...

Muito bonito, Majestade.


Um beijinho amigo.

opolidor disse...

a saga continua e a noite está a favor...

abraço