segunda-feira, 4 de abril de 2011

E vão Trinta e Dois Sete Pés

Já lá vai o tempo em que os escritores tinham de puxar do vocabulário e de entrelaçar as palavras para descrever paisagens, hoje é o tempo das imagens, por isso, em vez de nos perdemos por aqui a estender prosa para enquadrar o romance mais vale estender umas fotografias e passar a outro nível. Todas as imagens foram retiradas do Google Earth nos locais exactos em que se desenrola o Caminho.



Xésus Agrelo não os convidou para sua casa, preferiu ir com a mulher e com a panela da sopa, jantar a casa dos hóspedes. Era uma forma de utilizarem a sua segunda casa, de não arriscarem expor a primeira a desconhecidos, de aproveitarem a ocasião para recomendações sobre as existências e funcionalidades, de mostrar as fotos dos familiares e antepassados.

Porque a sopa partilhada arranjou espaço para muito mais, Xésus Agrelo foi buscar à casa mãe, enchidos, queijo e tudo o mais que tinha para completar a refeição, sem esquecer o vinho - o vinho faz amizades, o pão e o vinho fazem o Caminho.

No fim do serão foi motivo para brinde a decisão de ficarem por mais uns dias face ao programa de actividades que se inventou.

Na primeira manhã, Marie e Sete Pés, ficaram por ali a namorar, no banco corrido da varanda com vista para o mar, que corria o alçado da casa com vista para o mar duma ponta à outra. Pela primeira vez, Marie,  fez amor com os Sete Pés;  houve, portanto, orgia a sete para uma, ora com um pé, ora com outro:

Pé Ante Pé pensou duas vezes; Pé Chato pensou no banco; Água Pé sentiu-se entesado pela ressaca; Pé de Vento ofegou; Pé Descalço despiu-se; Pé de Meia tirou as meias e Pé de Atleta pensou: vamos a isso!

Marie parecia que tinha optado pela permanência naquele local apenas por aquele momento, queria amar aquele jovem ali!

Pé Ante Pé avançou pé ante pé sobre Marie e ela sentiu a insegurança do jovem. Pé Chato preocupou-se com a dureza do banco de madeira e Marie disse que não fazia mal. Água Pé, fora de si, largou as mãos e Marie afastou-as. Pé de Vento entrou suave; Pé Descalço – pele! Sinto pele!... Pé de Meia – Preservativos?! E Pé de Atleta assegurou o vai e vem. E no fim todos em coro cantaram: já me vim!

Marie experimentou sete orgasmos, nunca tal lhe havia acontecido, ficou intrigada e falou disso. E foi assim, no calor e na aproximação que completam os verdadeiros actos de amor, que Sete Pés se revelou e um a um, cada um dos pés de si falou, deixando Marie estupefacta com a intimidade do seu amigo íntimo.

- Tu?! Sete Pés?! Neste momento “re-vejo-te” mais com um bicho de sete cabeças! Bicho não! Pronto! Bicho-homem!

E nos dias seguintes muitas coisas contaram um ao outro de cada um deles. Sete Pés desenrolou a sua infância, apontou os seus 35 dedos dos pés, acusadores, à gente rude e cruel da aldeia, denunciou a santidade da sua falecida mãe e manifestou esperança de um dia existir igreja para a canonizar sem lhe omitir a profissão, muito pelo contrário, de a eleger padroeira das prostitutas!
- Aqueles labregos só não me pisavam porque me achavam um monte de merda!
- Deixa-te de lamechas rapazinho! Tens de ganhar auto-estima!
- Que é isso?! Isso é alguma oficina de manutenção de carros?! Auto-estima?!

E riram os dois e Marie também contou das suas e de como se tornara caminhante por não apreciar ser viajante.

- Viajar é coisa das gentes escravizadas pelo trabalho e pela carreira. Quem viaja tem sempre o pensamento no regresso, vai e vem com pressa e não tira fotografias pelo caminho mas apenas e muitas no local do seu destino. Vai de meio de transporte para ser depressa e, embora possa observar a paisagem, não a cheira, não a tacteia, não vê os répteis nem as caixas de correio nos muros das casas. Pelo contrário, nós enquanto caminhamos, falamos com as pessoas, cheiramos as plantas que se cruzam connosco, sentimos cada passo, não temos pressa de chegar e damos mais importância ao caminho do que ao destino.
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

6 comentários:

José Lopes disse...

Uma orgia bem contada e com todos os participantes (oito) plenamente satisfeitos.
Cumps

Anónimo disse...

Olá! Que isto é melhor que as revistas da Gina e ainda por cima com roteiro gastronómico de fazer inveja à Maria de Lurdes Modesto!
Vou-te propor para um contrato de exclusividade com a TVI para escreveres as próximas 22 telenovelas.

Saudações do Zé Marreta.

opolidor disse...

sim sr, assim é que é! pelo desenrolar do texto ficou claro, sem evasivas, que desta vez houve trancada até cheirar a carne guisada.

abraço

MARIA disse...

"Viajar é coisa das gentes escravizadas pelo trabalho e pela carreira. Quem viaja tem sempre o pensamento no regresso, vai e vem com pressa e não tira fotografias pelo caminho mas apenas e muitas no local do seu destino. Vai de meio de transporte para ser depressa e, embora possa observar a paisagem, não a cheira, não a tacteia, não vê os répteis nem as caixas de correio nos muros das casas. Pelo contrário, nós enquanto caminhamos, falamos com as pessoas, cheiramos as plantas que se cruzam connosco, sentimos cada passo, não temos pressa de chegar e damos mais importância ao caminho do que ao destino."

É impressionante pela beleza e pela verdade.
Também caminho, não viajo.
Caminhar no seu texto é cheirar e tactear os lugares aonde nascem as palavras. Estou rendida ao seu texto.

Mas diga-me Majestade :
- o marido de Marie, encontrou ao menos quem lhe desse uma mãozinha de conforto por esses 7 pés na " bundinha " ?
Eu deduzo, não há sinal de cuidado e sabemos que só quem ama cuida.

Excelente. Ansiosa por ver de que futuro se poderá fazer a aparência de futuro algum ... :)


Um beijinho amigo

Maria

O Puma disse...

Uma deliciosa viagem

a pés
caminhando

do ventre até à foz

do Zambujal (e em viagens... caminhando) disse...

Tudo do melhor!
Se tivesse tempo, detinha-me em cada uma das vertentes da prosa e fazia um ensaio. Ou mais...
O dito e o não-dito, o contado e o insinuado, os tempos e os contratempos. E nunca os pés (e sete são eles) pelas mãos.

Grande abraço admirado(r)