quinta-feira, 23 de junho de 2011

Leitão da Quinta

Vamos voltar ao Rei do Leittões com uma "repostagem", para ver se a malta me volta a tratar por Majestade e o reino se endireita porque, também aqui, a coisa está a ficar torta. Doravante haverá Leitão à Quinta - só por compromisso consigo dar de comer ao blogue!
Comam então que hoje o Leitão é de porco engordado, daquele que é capaz de fazer festa e alimentar uma parte da aldeia em dia de matança.


A primeira matança da minha memória conta-se assim:
Era Janeiro, mês em que o frio da França devolvia os emigrantes à terra, época em que nada havia para fazer com a terra, tempo em que o frio melhor conservava as carnes, altura certa para fazer a matança do porco que já estava mais que gordo.

Mal me levantei, comecei a seguir todos os passos do homem que era meu pai, empenhado em demonstrar-lhe que para homem também eu caminhava. Não tardou muito a chegada das pessoas mais chegadas para fazer o sacrifício.

João vai à barraca buscar 4 pregos e o martelo para fazermos a banca com estas duas tábuas e dois cepos / Vai buscar um balde de água para lavar as tábuas que estão cheias de teias / Bom dia Joãozito, hoje levantaste-te cedo / És tu que vais pegar o porco / Vai buscar a corda da burra para atar uma perna ao porco / Tens medo / Sai daí João que o porco ainda te morde / João vai chamar a mãe para trazer o alguidar para aparar o sangue / Tiveste medo / João vai buscar umas macheias de agulhas à meda e fósforos à cozinha / Vai buscar a forquilha velha que a nova não se põe no fogo porque destempera / Segura aqui com a sachola esta pata para chamuscar o lado debaixo da perna / Filho vai à adega encher o jarro e traz um copo para o pessoal / João vai à eira velha que há por lá uns pedaços de telhas de canudo para raspar o bicho / João agarra aqui nas unhas a ver se estão quentes / Pesava mais do que tu ó cachopo / João vai buscar mais agulhas / Vai buscar mais água à tina / João despeja aqui água nesta orelha / Despeja aqui na pata / João dá mais um copo ao pessoal / Segura aqui nas patas da frente João para começar a abrir o animal / O pessoal está com sede João / Vai buscar um baraço para lhe atar o cu / Vai chamar a mãe para trazer a água quente para escaldar a língua / Se queres saber como é o teu corpo olha aqui para o porco / Toma lá a bexiga que eu daqui a bocado faço-te uma bola / Olha que a malta está com sede João / Vai à barraca buscar o chambaril / Tu não o ajudas a levar que ele é pesado para ti / João vou agarrar-te ao colo e enfias ali a corda para pendurarmos o morto / Vai buscar um alguidar para o sangue escorrer / Agarra aqui nesta pata para sacarmos as tripas / Agarra o alguidar desse lado / Agarra aqui no fígado / Agarra aqui a ver se eu deixo / Vai buscar uma cana para manter o peito aberto / Dá um copo ao pessoal não vês que o pessoal está com sede / Os homens vão comer a bucha mas tu João vais com as mulheres ao ribeiro lavar as tripas que pode ser preciso alguma coisa….

À noite toda a gente se reuniu novamente para comer a cacholada. Comentou-se animadamente à mesa a criancinha que eu era.
- Ó João, pró ano já estarás com idade de ajudares e poderes fazer alguma coisa!
- E se fossem todos pró carvalho!?
E assim acabou valentemente o dia da primeira matança da minha memória com um valente estalo do homem que era meu pai.

9 comentários:

antonio ganhão disse...

Já fronhas postado isto? Lembro-me do estalo. Vê lá se um dia convidas para umas febras.

do Zambujal disse...

Ó João, então isso diz-se... depois de ter tido o privilégio de ser "colaborador" dos adultos mesmo que nada tenhas feitoa não ser o que fizeste?
Excelente relato.

Abraço

José Lopes disse...

A iniciação era sempre assim, e só quando apareciam os primeiros pelitos do buço é que se ganhava o direito a participar mais activamente no cerimonial.
Cumps

Fernando Samuel disse...

Esta matança está soberba... Majestade!...

Um abraço.

maceta disse...

Pata

tchhh... o que tu aguentaste só para ficares com a bola da bexiga...

abraço

Anónimo disse...

Majestade, só mesmo o estado em que o reino se encontra justifica que V.EX. proceda a um acto destes para superar a crise e assegurar as grandes carências dos seus súbditos.Espero não ser a próxima sacrificada.Tudo a bem do reino?

pirolito disse...

Majestade, hoje o que faz falta são pais destes, que saibam dar educação.
Como V. Majestade sabe destas coisas da matança do porco. É mesmo real. Sem tirar nem por.

O Puma disse...

Mgestade

será que da próxima

no ribeiro

vamos afagar a porca?

Alberto Cardoso disse...

Majestade.
Lembro-me na perfeição deste texto aqui postado já lá vai tempo. E lembro-me de ir ao Google ver o significado de chambaril, peça indispensável para pendurar o animal, que eu conhecia das matanças a que assisti quando era miúdo mas de que não sabia o nome.
O meu avô também matava um porco em cada inverno e azáfama desses dias não era muito diferente da que Sua Alteza Real narra aqui. Mas assisti a muitas outras matanças porque, porta com porta com a casa dos meus avós, havia o talho do Manel Gau que de 15 em 15 dias matava, ali, um cevado para vender na loja. E, depois, a bexiga, bem de soprada e bem atada, dava uma bela bola para a rapaziada chutar e cabecear até rebentar, puffff…
Outros tempos, outra gente, outros costumes, outra idade a nossa.
O seu fiel servo,
Alberto Cardoso