sexta-feira, 2 de março de 2018

Fãs dos Doors



Arménio era filho único e tinha tudo para ter futuro. O seu pai era o único da aldeia que não sujava o fato. De todos os putos, Arménio era o único bom na escola e o único que tinha carros matchbox e peças lego. Já moço, era o único que tinha um blusão de cabedal. Arménio comprou um rolo de fita isoladora branca, com a tesoura deu forma à letra D, fez mais dois ÓS, um R e um S e colou-as nas costas do casaco preto. No liceu todos o ficaram a conhecer e todos perguntavam o que era DOORS.
Uma amiga ofereceu-me um broche vermelho com quatro rostos, que não eram  Marx, Engels, Lenine e Mao mas que o pareciam, inspirado na capa do L.A.Woman. O retrato entornado para casar a velha amizade de infância entre mim e o Arménio.

O Bar de Cipriano fechou cedo, pouco passava das quatro da manhã. A caminho de casa parámos no pinhal a fumar e a falar – só falávamos de música. Haveríamos de ter uma banda como aquela que vimos no segundo festival de Vilar de Mouros e tocaríamos o People are Strange e o Roadhouse Blues! E tivemos: no dia seguinte a banda de Cipriano admitiu-nos.
Tivemos o palco, cercou-nos a província. Eu pus-me a estudar que nem um burro para engenheiro. Arménio estudou que nem um cábula Psicologia. Casei-me e nem no funeral do pai o vi.

Também não o vi dentro do caixão. Contou-me sua mãe que foi encontrado pela polícia, num quarto do Bairro Alto, morto de três dias. A mãe chorou-me que fui o único amigo que lhe conheceu e eu recordei-lhe que era o único menino que podia entrar na casa limpa para brincar com ele com os brinquedos limpos.

Já tenho bagagem para não me comover mas fiquei incomodado por nunca te ter devolvido a cassete do Absolutely Live. Ainda estive para perguntar à tua mãe se entre os haveres do quarto do Bairro Alto estava  o livro "Uma Oração Americana" de Jim Morrison que te emprestei. A minha companheira disse-me não ser o momento. Ficámos quites?! Não, eu devia-te este registo apesar de ter perdido o teu futuro.

18 comentários:

D"SUL disse...

Porra e vão 2.....

salvoconduto disse...

Ainda gostaria de conhecer mais em pormenor a história desse broche vermelho, é a primeira vez que ouço falar num tal broche, vermelho?!...

Abraço sem cor, transparente como água, pena foi o Arménio.

samuel disse...

Grande post!

Abraço.

Compadre Alentejano disse...

Gostei. Faz-me lembrar um amigo que tive e que desapareceu dessa forma. Ainda hoje, passados 30 anos, estão presentes na minha memória essas recordações...
Abraço
Compadre Alentejano

Donatien disse...

People are strange...

Zé Povinho disse...

Porque há amigos que nos ficam na memória.
Abraço do Zé (fã dos Doors)

O Puma disse...

Nas urnas
as noites não são mais claras

Anónimo disse...

O que escreve é ficção ou realidade? Ao longo do tempo tenho lido o que escreve e quase sempre os seus textos divertem-me.Este, quase me comoveu.Que idade tem o Rei para ter tanta estória para contar?

JFrade disse...

Eu explico: o Rei dos Leittões será ainda novo mas viveu uma vida pobre de bens materiais mas muito rica de coisas que o dinheiro, só por si, não dá - teve um excelente ambiente familiar, cresceu numa terra onde se cultivava a amizade,o companheirismo e as cumplicidades, teve a sorte de conhecer pessoas únicas e, fundamental, tem uma sensibilidade rara para as coisas que e rodeiam. Não menos importante, e fonte de prazer para quem visita este blogue, o Rei dos Leittões sabe contar hitórias como poucos.
Espero que o Anónimo que me antecedeu tenha ficado esclarecido. Como a minha opinião é apenas baseada nos postes que li no blogue, outros visitantes assíduos poderão dar mais alguma achega.
JFrade

Evanir disse...

Quando bate a saudade sempre dou meu gentinho
de fazer minha visita .
Mesmo sendo uma colinha é o único geito
de me sentir pertinho de você.
Quero que saiba que sempre vou amar cada um de vocês
embora minha tristeza é grande em não poder comentar .
Creia leio todas as postagens e guardo no meu coração.
Quem sabe depois da cirurgia alguma coisa melhore ,
mais isso já é com Deus fé eu tenho e muita.
Um beijo no coração,Evanir..

Anónimo disse...

Anónimo de 31/7 agradece a explicação de JFrade.

do Zambujal disse...

Há dias (quase uma semanas) não te visitava. Distrai-me o distrairam-me. Agora que voltei a uma aparente disponibilidade, encontro este comovente texto. Comovente porque... comove sem ser piegas, por ser comovido e amigo. E muito bem escrito o que foi sentido e traduzido em dedos sobre teclas. Se num piano merecia os DOORS.

Um grande abraço

Anónimo disse...

fuck and live young

Manuel Veiga disse...

calo-me! que poderia dizer? disseste tudo e tanto!

forte abraço.

Rogério G.V. Pereira disse...

Porra!
Já tenho bagagem para não me comover
mas fiquei à rasca com o que acabei de ler

(por ficar sem palavras minhas
usei algumas que são tuas)

Zambujal disse...

Ainda com alguma "bagagem" para me comover, recomoveste-me quase 6 anos depois...
O futuro é isto? NÃO!... tem de ser outra coisa.

José Lopes disse...

Com a bagagem que tenho a comoção está mais próxima dos olhos, e nem tento resistir.
Cumps

Rosa Brava disse...

Apesar da minha bagagem comovi-me com a sensibilidade deste texto.

Um passado que fica presente no futuro...