sexta-feira, 13 de julho de 2012

Porque ando desassossegado


Tenho um amigo, que me vem ajudando a construir-me há vinte anos, que tem uma mania antiga de oferecer coisas aos amigos. A primeira coisa que me ofereceu foi, evidentemente, a amizade. Seguiu-se a sua casa humilde, cheia de livros e objectos que não se encontram em mais nenhuma casa do mundo; depois o seu jardim onde cresce a maior colecção de coníferas da Península Ibérica. Evidentemente que também já tenho algumas coníferas no meu jardim. Mas a primeira prenda factual que ele me deu, foi uma malga de azeitonas curtidas e temperadas pela sua prendada e saudosa mãe. Depois seguiram-se, entre tantas, outras coisas, um loureiro; durante tempos, com frequência irregular, pisa papéis de todas as formas e feitios; três termómetros iguais em três semanas consecutivas, um para medir a temperatura na vinha, outro na cave e o terceiro na sala de jantar; a capa do vinil do primeiro album dos Deep Purple e, recentemente, o livro do Desassossego de Bernardo Soares. 
Está deixada a primeira razão porque tenho vindo a citar trechos dessa obra. Porque ele é o amigo com quem mais privo e mais aprendo coisas da arte; falamos de arte por arte e sem limites ou preconceitos, universal, arte mesmo, arte do grande pintor, arte do graffiti, arte de Mozart, arte da flauta do pastor, arte do jazz, arte de enxertar, arte de cozer, arte de coser, arte de da Vinci, arte da poesia, de escrever e de inventar, e porque tanto gostarmos de arte, ganhámos a arte de ver, de ouvir e de falar - desde que não estejam mais de três pessoas! ... Nós os dois e o Bernardo:


"A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual ou da emoção, distinta da vida, que é expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte. Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida a acção, a acção, a que se reduziu, não a satisfaz; com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte. Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem, e o que exprime o que sobrou do que teve."

Depois concluímos, há dois tipos de não artistas: os que sentem e admiram a arte e aqueles que acham certas coisas engraçadas e dão o desconto aos seus autores.






9 comentários:

Zé Povinho disse...

Acho que exprimir o que se não tem é mais importante, mas nos tempos que correm també vale exprimir o sobrou do que se teve. É fruta dos tempos...
Abraço do Zé

Alberto Cardoso, cumprida a pena a que foi condenado disse...

Tem muita sorte, Majestade, por ter um Amigo assim. Mas também sei que a amizade é correspondida. Mais termómetro menos conífera, obrigado pelo loureiro prova lá esta pinga, estou certo que estão quites.
A propósito da mensão ao Desassossego de Bernardo Soares, li há pouco no `Sapo on line´ que “Um grupo de investigadores estrangeiros partiu à procura de Fernando Pessoa e encontrou um espólio de inéditos a ir desde a crítica ao salazarismo à prosa desconhecida de Álvaro de Campos, passando pelas milhares de folhas escritas guardadas religiosamente na Biblioteca Nacional.”, material esse que dará “para cinquenta anos de trabalho”. Fico ansiosamente à espera das conclusões.
Vénias para Sua Alteza Real, Realíssima Esposa, Príncipes e Real caniche.
Alberto Cardoso

Alberto Cardoso, notoriamete disse...

Mensão trás à memória o "mensalão" brasileiro dos tempos do elogiado e por todos perdoado Lula. Estou com sono e, por azar, o Benfica ganhou hoje um jogo de futebol. Sei que era a feijões, mas ganhou, bolas!
Claro que era MENÇÃO que eu queria escrever. Ou seria MONÇÃO? Talvez MONSÃO? Já não sei. Peco dsecurpa mAjestarde. bou bebr mais cop i voo drumirrrrrrrrrrrrrrrrrr

cid simoes disse...

Ser verdadeiramente rico é ter AMIGOS assim.

Zé Marreta disse...

Admito que andava um pouco esquecido desse Bernardo, do Álvaro e do Ricardo, desde os idos de 1954, no entanto depois de voltar às salas de aula por meia dúzia de vezes nos últimos dois meses fiquei mais sossegado...

Saudações!

samuel disse...

Haja amigos! Verdadeiros!

Abraço.

maceta disse...

a arte... uma necessidade que ajuda a respirar...
e amigos contam-se numa mão e sobram dedos...

abraço

do Zambujal disse...

Bela texto. Sobre a amizade e a cultura, ou a amizade pela cultura, ou a amizade culta, ou o culto da amizade.
E lembro uma visita guiada, amiga e culta, ao jardim das coníferas. Foi muito agradável (e culto) mas ia era gente demais. E gente de menos. Faltava uma Pessoa, talvez o Bernardo...

Um abraço de amizade

Anónimo disse...

Sr. do Zambujal! Esse jardim visita-se? E está aberto ao público? Há visitas guiadas? Onde fica? Nunca ouvi falar dele.