sábado, 18 de novembro de 2017

Não sei se rio se seco

Pensamento:
Todos nós temos o nosso rio de criança,
um rio grande, uma ribeira, uma levada,
um rio seco, um rio de cheia, um rio com peixes
ou mesmo um rio que atravessa a cidade emparedado.
Até pode ser o rio de uma imagem, dum filme, duma história
mas todos nós temos um rio de criança.

No meu caso, o meu rio deixou-me sempre insatisfeito,
era ali, na minha aldeia, que ele se formava de dois ou três riachos.
No inverno levava água se Deus a dava
mas no verão toda a água era para o milho,
ele esquecia-se que era rio e eu também.

Na aldeia a jusante já a ribeira corria todo o ano,
as mães lavavam a roupa aos filhos
e os filhos apanhavam peixes com uma cesta.
Eu molhava-me lá com os outros meninos e acontecia-me pensar
no destino daquela água, por que terras passaria
e quanto tempo demoraria até chegar ao mar.
Penso que os outros meninos também pensavam nisso
e que todos eles, como eu, sonhavam um dia ver o mar.

Agora que somos grandes já não sentimos os rios.
O que importa é que o governo cuide dos rios,
sejam eles de água ou de povo.
Que os deixe correr e desaguar,
que os contenha, que os regule, que os aproveite.
Ah! E que nunca se esqueça de tratar do saneamento!

Intervalo de pensamento: 
O povo no tempo é como um rio no espaço.
Alguém já deve ter dito isto!...
Mas isto não:
Rio de rir
Rio das águas
Rio das ruas
e levo-as com o rio ao mar.

Continuação de pensamento:
Mas o importante é que o rio nos continue a correr na memória
e o povo fluvie e vença as margens que o comprimem.
Um poeta já deve ter falado disto!...
Mas ninguém, senão eu ou os meus primos,
retém a imagem da minha mãe e das minhas tias
a lavar no rio da minha aldeia
as tripas do porco que matámos em dezembro.

Fim de pensamento:
Não tarda aí dezembro,
o porco está vivo,
o povo está no rio,
o rio vai cheio,
a greve é em novembro,
o povo está vivo,
o porco está cheio,
há que matar o porco,
senão ele bebe o rio.

Rio! Não sei se de rir se de ser também rio!


E de quem é o nosso mar???
Isto sou eu a pensar!

12 comentários:

Maria disse...

Não me digas que estás a ver a convenção do BE na tv...
É que eu já fui rio, agora seco...

Beijo.
(o mar é de quem o sabe amar!)

cid simoes disse...

Não vamos deixar que este rio seja um vale de lágrimas.

M A R I A disse...

Texto tão especialmente belo ...
Muito obrigado.
http://youtu.be/eA1A18Xfzgc

Um Rio de amizade, Maria

cris disse...

parabens. com a necessária autorização á posteriori utilizei em cris-sheandbobbymcgee.blogspotcom

Pata Negra disse...

Cris
obrigado pela referência e um abraço
(aqui não há essa coisa de propriedade intelectual)

Olinda disse...

Poeta:O rio farâ o seu percurso,livre e confiante,rumo ao mar.E, nao haverâ margem que o oprima.





José Lopes disse...

O rio das nossas mágoas e descontentamento corre abundante nesta ocasião.
Cumps

Rogério G.V. Pereira disse...

Não há poeta
ou candidato a poemar
que não tenha já vindo falar
de um rio e de um mar

suponho que nunca
desta forma

há que matar o porco
senão ele bebe o rio

Manuel Veiga disse...

há rios assim ( e risos )
que são Mar, antes de correrem!

grande poema, carago!

forte abraço, Majestade!

Sérgio Ribeiro disse...

por tua causa/culpa,
rio, logo existo
Obrigado!

Maria disse...

Fabuloso, gostei de ver e ler.
Cá voltarei ao Rio do Rei.

Anónimo disse...

É isso: Grande Poema Carago!