quarta-feira, 9 de outubro de 2013

4- A fábrica de Laurinda

Como é que eu, sendo tão tenro à altura, guardo memória para aqui descrever Laurinda com tanto entusiasmo?! É que Laurinda foi caso, e foi tanto o caso que me foi sendo contado e recordado até eu ser já maior e ter idade para a não esquecer.
Diziam, as más línguas, que Laurindo podia muito bem ser filho do tio e até que, no pequeno espaço que habitavam, não havia remédio senão o homem dormir com as duas irmãs e que o pobre “faltadito” a muito coisa, que não devia, assistiria. Os mais cruéis ou ousados chegavam até a puxar pelo assunto da poligamia, aos visados e, sobretudo, a Laurindo, cuja inocência permitia mais descaramento nas interrogações, cuja ingenuidade poderia largar alguma afirmação que acrescentasse argumentos ao boato.

Também a condição e as qualidades de Laurinda, nas quais se deve incluir a simpatia, o ar divertido e a impudência com que reagia aos rudes cotejos, numa aldeia tão portuguesa, deitavam achas para a fogueira. A imaginação do povo não tem limites e ela foi caindo nas bocas ciosas dos homens que a desejavam e das mulheres que a invejavam como mulher fácil de encantar. Falava-se que certo resineiro fora apanhado com ela em factos, no meio de certos matos. Apareciam, de vez em quando, uns certos gabarolas que, acreditando como reais as suas fantasias, afirmavam terem conseguido, em sítio oportuno, um beijo, um apalpar de mamas, um levantar de saias e alguns até a verdade de terem apanhado uma lambada!

Laurinda revelava-se superior ou desconhecedora da difamação e vivia os seus dias a trabalhar para ganhar para o filho, para quem não adivinhava futuro, sempre com alegria de viver, sempre bonita e bem disposta e, qual era o problema?! Sensual e provocadora também! Não devia nada a ninguém e se teve um filho que tanto amava é porque tinha sido feito com amor! Não desesperava procurando homem mas não era alérgica à masculinidade! Talvez viesse a morrer solteira e tivesse de ser pobre a vida inteira mas morreria de certeza mãe e honrada. Não estava disposta a casar com qualquer um só porque já tinha um filho mas também não era castrada só porque não nascera com tomates.

De tanta fama o boato veio a tornar-se sério quando chegou aos ouvidos do povo que o Senhor António – como patrão que era teria de ter, fora de casa, uma amiga – andava a ter uns apartes com Laurinda. Aliás, já teria sido na base desse encantamento que aquela gente viera da Beira Baixa para tão longe. O senhor António ia longe para negociar a exploração da resina e, numa dessas viagens, teria sido tocado por um misto de compaixão e atracção que determinaram que o seu coração se abrisse e trouxesse os quatro, no carro, para a sua fábrica.
Mais verdade ou menos verdade, o que é certo é que a história acabou por ser falada e imaginada até à exaustão e acabou por chegar aqui à nossa história.

12 comentários:

Camolas disse...

Laurinda, Maria Madalena à portuguesa, que tanta pedrada tens levado, dos pobres e ricos "diabos" que te invejam.

antonio ganhão disse...

As histórias e as fábulas chegam assim até nós, porque são dignas de serem contadas e com encanto são escutadas.

Laurinda, tenhos saudades de não ter uma memória assim!

José Lopes disse...

Ai Laurionda, a beleza que em ti existe não justifica a má língua do povo que te deseja mas que não te merece nem te encanta.
Inveja, esse maldito pecadilho tão nacional, tão mesquinho.
Cumps

MARIA disse...

Majestade a qualidade do seu texto tira-nos sempre as palavras.
É como se todas elas lhe pertencessem a si e só por si se ordenassem com beleza e graça. É sempre muito bom o texto.
Com que então Vª Majestade já tão pequenino sofria de espirros ?!...
Perdão, esta deixa era doutro texto. Não ligue.

Deixo aqui um link em homenagem a todas as Laurindas do mundo que enchem de encanto e graça, as aldeias, as cidades e os blogs dos nossos mais queridos amigos.
É também meu convencimento que todas elas esperam sempre um " amor que da guerra"lhes há-de vir, não importa o que aparentem.


http://www.youtube.com/watch?v=zGgn3QtSB0Q

Beijinhos

Maria

Deusa Odoyá disse...

Olá meu amigo!
Que linda história, adorei seus leitões.
Uma semana com muita paz, amor e luz.
que Deus continue abençoando seus caminhos.
beijinhos doces de sua miga.
Regina Coeli.

Te aguardo em meu cantinho.

Anónimo disse...

Olá Majestade.
Li o seu poste que apreciei tanto quanto uma pessoa com uma constipação que nem lhe permite abrir mais que um olho de cada vez pode apreciar. Com uma constipação destas até me permito discordar do título do Real texto. Em vez de fábrica eu chamar-lhe-ia mina: A Mina de Ouro Da Laurinda parece-me mais adequado.
Agradeço antecipadamente os desejos de melhoras para a minha costipação.
O seu súbdito
Alberto Cardoso

samuel disse...

Bela estória!

Jorge P. Guedes disse...

A inveja é o sentimento
nacional nº1, Laurinda!

Um abraço.

Compadre Alentejano disse...

Uma coisa é de assinalar: em Portugal, hexistem muitas Laurindas!
Um abraço
Compadre Alentejano

Anónimo disse...

hOlá hse hexistem, hsão haos hpontapés! hOnde hum hcristão hvá haparecem hLaurindas hàs hdúzias, hàs hgrosas haté. hCá hpra hmim hé hurgente hinventar hum «hmata hLaurindas» htipo hmata hmoscas.
hAnónimo (hmas hpouco).

Olinda disse...

"Oh Laurinda,linda,linda/Oh Laurinda meu amor"..,tambêm esta cantiga fala de uma Laurinda,calorosa e carente por ter o marido ausente.Gostei da Laurinda do texto,cujo perfil estâ muito bem descrito.

Um abraco

Maria disse...

Deliciosa estória majestaticamente escrita e contada.

Abraço