Canicha, a tia de Laurindo, bateu à porta da minha casa já era noite escura. Surpreendeu porque nunca ali viera e porque trazia uma respiração de quem correra e um ar aflito:
- O meu rapaz não está por aqui!? Ó João, tu não viste o Lindo?!
Ao fim dos nossos “nãos” desatou a explicar-se, nervosa como nunca se vira - que ficara ir ter com ela e a mãe ao Pinhal do Virginho com a bucha da tarde mas que nunca aparecera e que ninguém o vira; que o mais certo era ter-se perdido; ou então que caíra dentro de algum poço do Vale Feto; talvez até tivesse tropeçado para dentro de algum tanque da fábrica; que diabo teria acontecido ao meu Lindinho; que a deixassem chorar…
Com palavras de esperança acompanhámos a inconsolável pelas ruas abaixo perguntando em cada casa por Laurindo e, de cada casa, saiam as famílias solidárias com candeeiros de petróleo e lanternas francesas, de tal forma que, quando chegámos à fábrica, era já a aldeia inteira que se reunia à volta de Laurinda, agora acalorada e boa mãe para toda a gente. Zé Coxo já havia corrido todos os cantos da fábrica e inspeccionado, com um candeeiro preso por um cordel, o interior de todos os tanques pelo que, além da repetição das outras hipóteses já enunciadas por Canicha em minha casa, só havia uma outra, que de tão trágica nem seria averiguada: o rapaz poderia ter caído dentro duma das barcas – assim se chamavam aos dois grandes tanques onde era despejada a resina dos barris que eram descarregados diariamente – e aí não havia maneira de o encontrar senão ao fim de várias dias que seria o tempo necessário para as esvaziar.
Assim sendo, acordou-se que o melhor seria começar a bater os pinheirais em direcção ao Virginho. Organizados os grupos, só os mais pequenos, como eu, ficaram. Recordo viva a imagem de ver desaparecer, na escuridão, a luz das dezenas de candeeiros e lanternas e de ouvir, ao longe, as repetidas chamadas de “ó Laurindo!”.
A busca, sem sucesso, só terminou de madrugada e essa noite ficou para sempre registada na memória do povo de tal modo que, ainda hoje, de quando em vez, a propósito e a despropósito se ouve a expressão “ó Laurindo!”.
No dia seguinte, Domingo, foi um povo ensonado e desacorçoado que entrou na Igreja. O padre deu a bênção inicial da Missa e contou que, só de manhã, soubera que tinha desaparecido um rapaz dum lugar da freguesia; que já ouvira falar da sua família; que não são cá da terra; que não vem à Igreja e que por isso não seria de estranhar que Deus lhe tivesse dado este aviso e este sinal; que, apesar de tudo, Deus é bom e que, por isso, acabara também de receber um telefonema da Aldeia de Santa Cruz dando-lhe conta que tinha por ali aparecido um rapaz que afirmava ser destas bandas. Agradecia pois que, no fim da Missa, passassem a informação aos hereges familiares do desaparecido.
Qual no fim da Missa qual carapuça! O meu pai sussurrou ao ouvido de minha mãe e saiu Igreja fora comigo pela mão.
- Monta!
Percorridos, na Flandria, os três quilómetros que separam a sede da freguesia da Terrinha, numa encruzilhada entre pinhais, parou a motorizada e encomendou-me:
- Vais por aí abaixo ter à fábrica e contas a Laurinda que Laurindo apareceu e eu fui buscá-lo!
Recordo que Laurinda me agarrou pelas mãos e deu três voltas comigo em rodopio; que Canicha me deu um chi no pescoço; que Zé Coxo entrou porta a dentro dizendo “isto merece um copo; o tempo que demorou desde que se ouviu o ruído da Flandria até esta chegar como uma égua, com o meu pai a sorrir vitorioso e sentado, atrás dele e bem agarrado a ele, o amigo que me proporcionou um dos momentos mais emocionantes da minha vida.
- O meu rapaz não está por aqui!? Ó João, tu não viste o Lindo?!
Ao fim dos nossos “nãos” desatou a explicar-se, nervosa como nunca se vira - que ficara ir ter com ela e a mãe ao Pinhal do Virginho com a bucha da tarde mas que nunca aparecera e que ninguém o vira; que o mais certo era ter-se perdido; ou então que caíra dentro de algum poço do Vale Feto; talvez até tivesse tropeçado para dentro de algum tanque da fábrica; que diabo teria acontecido ao meu Lindinho; que a deixassem chorar…
Com palavras de esperança acompanhámos a inconsolável pelas ruas abaixo perguntando em cada casa por Laurindo e, de cada casa, saiam as famílias solidárias com candeeiros de petróleo e lanternas francesas, de tal forma que, quando chegámos à fábrica, era já a aldeia inteira que se reunia à volta de Laurinda, agora acalorada e boa mãe para toda a gente. Zé Coxo já havia corrido todos os cantos da fábrica e inspeccionado, com um candeeiro preso por um cordel, o interior de todos os tanques pelo que, além da repetição das outras hipóteses já enunciadas por Canicha em minha casa, só havia uma outra, que de tão trágica nem seria averiguada: o rapaz poderia ter caído dentro duma das barcas – assim se chamavam aos dois grandes tanques onde era despejada a resina dos barris que eram descarregados diariamente – e aí não havia maneira de o encontrar senão ao fim de várias dias que seria o tempo necessário para as esvaziar.
Assim sendo, acordou-se que o melhor seria começar a bater os pinheirais em direcção ao Virginho. Organizados os grupos, só os mais pequenos, como eu, ficaram. Recordo viva a imagem de ver desaparecer, na escuridão, a luz das dezenas de candeeiros e lanternas e de ouvir, ao longe, as repetidas chamadas de “ó Laurindo!”.
A busca, sem sucesso, só terminou de madrugada e essa noite ficou para sempre registada na memória do povo de tal modo que, ainda hoje, de quando em vez, a propósito e a despropósito se ouve a expressão “ó Laurindo!”.
No dia seguinte, Domingo, foi um povo ensonado e desacorçoado que entrou na Igreja. O padre deu a bênção inicial da Missa e contou que, só de manhã, soubera que tinha desaparecido um rapaz dum lugar da freguesia; que já ouvira falar da sua família; que não são cá da terra; que não vem à Igreja e que por isso não seria de estranhar que Deus lhe tivesse dado este aviso e este sinal; que, apesar de tudo, Deus é bom e que, por isso, acabara também de receber um telefonema da Aldeia de Santa Cruz dando-lhe conta que tinha por ali aparecido um rapaz que afirmava ser destas bandas. Agradecia pois que, no fim da Missa, passassem a informação aos hereges familiares do desaparecido.
Qual no fim da Missa qual carapuça! O meu pai sussurrou ao ouvido de minha mãe e saiu Igreja fora comigo pela mão.
- Monta!
Percorridos, na Flandria, os três quilómetros que separam a sede da freguesia da Terrinha, numa encruzilhada entre pinhais, parou a motorizada e encomendou-me:
- Vais por aí abaixo ter à fábrica e contas a Laurinda que Laurindo apareceu e eu fui buscá-lo!
Recordo que Laurinda me agarrou pelas mãos e deu três voltas comigo em rodopio; que Canicha me deu um chi no pescoço; que Zé Coxo entrou porta a dentro dizendo “isto merece um copo; o tempo que demorou desde que se ouviu o ruído da Flandria até esta chegar como uma égua, com o meu pai a sorrir vitorioso e sentado, atrás dele e bem agarrado a ele, o amigo que me proporcionou um dos momentos mais emocionantes da minha vida.
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Todas as Quartas há Fábricas
Para as ver todas pressione abaixo "Marcadores - A Fábrica"
10 comentários:
Ele há cada uma. Quando vi o post disse para os meus botões: "este hoje está marado, então já põe a "Fábrica" à segunda-feira! Abanei a cabeça e só então me dei conta de que hoje já é quarta-feira...Coisas do Carnaval.
Abraço solidário também.
Não foi aqui, ao saires da igreja antes da liturgia terminar e em solidariedade para com o Laurindo, que enveredaste pelo ateísmo e nunca mais voltaste a entrar numa igreja?
Saudações do Marreta.
Majestade:
Que linda narração. Linda!!!
Escreve sempre bem, mas desta vez das suas palavras formei uma tela aonde corriam soltas as imagens de rara beleza que através delas descreve : uma aldeia de gente que sente, que se mobiliza por uma causa, não fica indiferente. Gente que se preocupa com um rapaz “diferente”, as luzes, as cores, as emoções…
Obrigada por este texto.
Mas diga-me se souber : o que é feito dessas pessoas que sentiam ?...
Um beijinho amigo
Maria
Este muito pouco católico post só é desculpado por estarmos no carnaval. Estiveste bem em não publicares nada mais "quente" ou ainda te fechavam o blog por disseminação de maus costumes!
Pata Negra
Adorei simplesmente. A solidariedade das pessoas... E então o cabrão do padre? Há alguém que mereça um susto desses por mais hereje que seja?
Imagino a emoção do reencontro!....
Lindo.
Abraço
O sacana do padre quis logo aproveitar-se da situação e sacar uns dividendos...
Ainda bem que o Laurindo apareceu...
Um abraço
Compadre Alentejano
Também pensei em comentar a atitude do cura, mas hoje só me sai asneira da ponta dos dedos, por isso aqui me fico.
Abraço do Zé
o padre da freguesia, como sempre, "amanda" as bocas do costume...
abraço
Pois...provâvelmente o Laurindo errou o caminho para o Virginho,por causa dos tracadinhos.(c/ c cedilhado) jâ se vë.Pôr um coxo a correr,ê hilariante,e mereceu bem o copito,pelo feito.
Um abraco
O padre pretendeu aproveitar a ocasião...
Cumps
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