Esta foto quixotesca, que encontrei algures na web, diz-me muito, diz muito, fala muito por si. O olhar louco e a pose nobre do Pedro - de boas famílias e abonado, dizia-se - a expressão infantil e a posição insegura do Adelino - que faleceu recentemente, li - e o outro feliz enquadrado de quem a memória me levou a referência.
Aqueles que conheceram estas personagens, têm em comum algo mais que o facto das terem conhecido. Coimbra, anos oitenta, toda a gente os conhecia, toda a gente trocava com eles um "atão pá?" ou mais umas palavras. Uma moeda, um cigarro, uma informação das horas que eram, um sorriso irrecusável ou um riso de situação bizarra. Os nomes do Pedro e do Adelino são indissociáveis. Andavam sempre juntos sempre a andar, de rua em rua, de sítio em sítio, do Norton de Matos ao Calhabé, da Praça à Porta Férrea, o Adelino sempre com um avanço de metros porque, quando a distância encurtava, era certa a discussão entre os dois:
- O Lucas Pires é do CDS!
- Não é nada, é do Belenenses!
O Pedro ralhava com o Adelino e o Adelino ralhava com o Pedro. Não sabiam andar de outra forma os inseparáveis amigos.
Se toda a gente conhecia o Pedro e o Adelino, o Adelino e o Pedro também me conheciam bem. Uma tarde, livre de frequências próximas, eu, que também tinha a minha dose, dei por mim a fazer companhia a ambos nas suas andanças. A minha ideia era escrever uma história de que só tinha o título "Uma tarde com o Pedro e o Adelino". Cumprida a aventura, achei por bem não relatar a experiência, porque foram duros os olhos que me julgaram, porque contar teria sido uma traição, porque todos eram amigos do Pedro e do Adelino mas o Pedro e o Adelino, a partir de então, só eram amigos meus - digo eu!... Porque neste mundo há muitos mais como eu ou como o Pedro e o Adelino, que lá no fundo eram pessoas como todos, não fosse o pequenino erro de nós nos considerarmos diferentes deles chamando-lhes "diferentes".
Se estas linhas chegarem a alguém que deva recordações a estes dois vultos, é favor utilizar a caixa de comentários.
6 comentários:
Acho que todas as cidades terão sempre gente
assim, diferente
e a quem se dirige um "Então, pá?" semelhante
Não conheço os vultos mas conheço muitos indivíduos que a política e outras notoriedades separaram...
Abraço do Zé
Um belo texto de amizade. E de nostalgia mas, sobretudo de amizade. Que talvez melhor sinta hoje, em que sinto a perda de um amigo com tantos anos de amizade quantos ele tinha (e eu continuo a ter...) de vida. O Rui do ti'Júlio dos bombeiros que nasceu em Setembro, não tendo esperado por mim que nasci em Dezembro.
Belo texto o teu. Com o tempero humano de sermos nós também os outros, de sermos também os diferentes de nós.
Pelo sonho acordado é que vamos
Abraço
Eu conheci o Alberto, o tenor, que nos dizia orgulhoso que tinha cantado no Scala de Milão, ali, junto à porta do defunto teatro Apolo.
Uma figura muito humana. Nunca o esqueci.
Um abraço
São estas pessoas que fazem uma cidade mais íntima e solidária. Na minha vila alentejana conheci alguns Pedros e Adelinos e, garanto-vos que ao morrerem, tiveram funerais mais concorridos que muitos ricaços...
Abraço
Compadre Alentejano
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