Companheiro de
águas passadas,
Perdemos a meada
ao caminho da poesia. A poesia é o caminho dos condutores de palavras. Os júris
falam da engenharia e da arquitetura das palavras, as palavras devem ser complicadas,
de modo a serem só compreendidas por pessoas inteligentes e complicadas. Mas
para nós, simples, os poemas teriam de ser como borboletas, teriam de nascer e
morrer no mesmo dia e, assim, irrompiam de ti versos espontâneos a um ritmo que
a escrita não podia acompanhar. Vinham aos jorros entre a espuma de cerveja nos
teus lábios, muito menos pensados do que os das pessoas simples da terra que
cantavam à desgarrada, enleavam-se no fumo dos charros e cigarros. Se fossem
escritos perdiam o sentimento. Os versos eram donos e coisa do momento e, quando
começavas a debitar o que sentias, o grupo inteiro se envolvia e até os poetofóbicos
metiam no meio um verso ou uma palavra, de modo que de poesia de todos se
tratava. Um verso era uma onda efémera que se formava da ventania dos nossos
pensamentos e que desaparecia no areal do céu das nossas noites longas. Mais uma cerveja. Talvez mais um poema coletivo até que o
homem de serviço dissesse que ali no café não se falava de política. Quando nós
até dizíamos que faltava política à poesia e poesia à política. Depois, para
que se adiasse o regresso às casas frias e pobres onde dormíamos, alongávamos
o caminho pelo arrabalde e lá te vinha outra vez um ataque de poesia onde,
na pausa certa, até o zé, que não sabia uma letra, metia uma farpa de poeta. E se
acontecia a perturbação dos faróis dum carro na nossa direção, de certo conduzido por
um velho, que não perceberia ponta dum chavelho das conspirações da juventude,
muito menos de poesia, algum de nós haveria de ordenar:
- Apliquemos o
velho truque, fingimos que estamos a mijar!...
Até que um dia,
Egídio, farto da política sem poesia, decidiste passar-te. De anarquista
passaste a usar fato e gravata, de republicano passaste-te a monarca e, como se
não bastasse, o rei eras tu. Nova monarquia. O partido será fundado sobre o
cadáver do rei. O motociclo de el-rei, chamavas tu à tua casal dois.
Já nada sei de
ti há muitos anos. Mas nestes tempos que nos vencem todos os dias, vem-me
muitas vezes a força da tua esperança:
“Sei que perdi os mares e o império e a satisfação do momento
Mas é preciso
não esquecer o chilrear das aves que se amam ao nascer do sol”
5 comentários:
Até amanhã camarada
Belo texto, pá!
(nem me atrevo a escrever "boa patada"
mas fica lá, assinalada)
Não sei agora como me dirigir já que 'Caro' não cai bem, 'pá' não me dá jeito e 'Majestade' muito menos, que sou republicana, Portanto, vou direita ao assunto: escreve muito bem, muito bem. Este texto é espantoso. Parabéns.
agora tiraste-me do sério, porra!
King
quando tu queres usas o esmero e sacodes a pocilga... por de trás das ironias se escondem muitas vezes as profundidades...
abraço
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