O fotógrafo rabeava à minha volta
no pequeno estúdio, dando jeitos em suportes e projetores e na minha pessoa: gola,
cabelo, cabeça, ombros e o raio que o parta, nunca mais estava tudo bem! E, na hora do passarinho, nem ele, nem a minha
mãe, me conseguiram arrancar a expressão da lei: um tipo para ficar bem na
fotografia tem de arreganhar.
Foi assim e assim continou a ser
em todas, conforme testemunha um quadro que tenho na sala com cartões de
identidade da juventude: de estudante, da JOC, de militar, de sócio da ARCA, passageiro
da CP, condutor de velocípedes e músico de cabaré.
Sou, portanto, um fulano sisudo, incapaz
de responder com uma gargalhada a uma boa anedota, que só mostra os dentes se tirar
a prótese. Mas gosto de ver retratos antigos. Sou também, portanto, um
saudosista.
A minha primeira foto tipo-passe
foi para tratar da documentação da matrícula no ensino preparatório. A minha
mãe lá foi toda contente, comigo de má cara ao lado dela, e só voltou a dar um
passo pelos meus estudos quando foi com o meu pai a Coimbra carregar o carro
com as minhas gabardines e sebentas. Foi então que me fez a pergunta: “filho, que curso é que tiraste que as pessoas perguntam-me e eu não sei dizer?”.
Tendo iniciado o primeiro ano do
ciclo nos primeiros dias de outubro só voltei a casa pelos Santos mas, para
espanto meu, a minha mãe não estava. O meu pai foi comigo a Coimbra, de
comboio, apanhámos um taxi para a maternidade para eu conhecer o meu primeiro
irmão que não nasceu em casa e para tratar duns afetos em falta. Não pude
entrar porque poderia ver mamas de mulheres e não tinha idade para isso.
Chegaram as lágrimas ao meu pai quando me deixou com o porteiro, voltou passada
uma hora, alegremente e com beijinhos da mãe.
- É parecido contigo!..
No início de dezembro, tendo deixado
o bébé com a rapariga que a ajudava no regimento, viajou na camioneta da
carreira para ver um dos seus filhos que não via há mais de dois meses.
Manifestou tristeza e preocupação
porque não me encontrou entre os outros meninos no recreio. Porque é que eu
estava sozinho na sala de estudo, se ainda por cima não estava a estudar, mas a
desenhar igrejas de duvidosa arquitetura?!...
Sou, portanto, pouco social. Mas
enganou-se a minha mãe, não havia razões para tristeza ou preocupações, eu
sentia-me muito bem ali no internato, eu gostava dos meus amigos e eles de mim
e da minha cara de poucos amigos.
Eu tinha sempre alguém com quem
brincar, dormíamos juntos, comíamos juntos, estudávamos juntos, rezávamos
juntos, víamos livros pornográficos juntos, vinte e quatro sobre vinte e quatro
horas juntos, durante cinco anos que tanto marcam a vida dos mortais – dos dez
aos quinze.
Quando eu saí, só ficaram dois. Só
um chegou a padre mas já não o é. Perdi-os todos de vista, voltei a ver um ou
outro furtuitamente. Já lá vão quarenta anos. Este é o almoço que eu desejava
há muitos anos. Fiz um esforço, investiguei, procurei contactos, consegui.
Hoje, véspera do Dia de Todos os
Santos, um grupo de velhos amigos vai reunir-se. Estou em pulgas para os ver a
todos, vou voltar a ser quem fui.
Sou, portanto, um camarada.
(a idade não perdoa, estão aqui a
dizer-me que é para a semana!...)
6 comentários:
Se a reunião for em torno duma mesa creio que teremos uma bela croniqueta...
Cumps
Por momentos também eu fiquei 'baralhado'. Mas esta noite apenas mudou a hora e não a semana. A propósito: tenho que comprar uma prenda para a minha cara-metade pois fazemos anos de casados no dia 3.
Quanto à história tem a marca do Pata Negra e está tudo dito.
Não, não é Pata Negra, é a Pata Linda da Amizade
Uma mesa de padres que não foram é coisa para um romance.
Fotógrafos que disparam a fazer conta com o passarinho não valem um telho. Sempre fui apologista do género oposto.
Abraço Vilão
compreendo perfeitamente.
és o Rei, mas apenas ficas bem em foto de grupo...
e em última fila...
abraço
Aproveita as boas memórias
o Cavaco está de orelhas caídas
Abraço amigo
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