sexta-feira, 9 de junho de 2017

Nada, puta!

Dizia eu à rã, que apanhei na represa de onde a minha mãe regava o milho, quando a levei para o tanque onde a minha mãe lavava a roupa: nada, puta!

E ela tanto nadava tanto como não nadava nada. E eis o mote que me levou, mais uma vez, a escrever sobre nada, com prazer, esperando que outros desfrutem do prazer de ler qualquer coisa que não diga nada. Temos essa necessidade, a mesma que temos ao jogar Tetris no PC ou à paciência com o baralho. De facto, muitas vezes procuramos o nada para descansarmos dos discursos do nosso dia a dia, das guerras e tragédias do noticiário, do livro sério que nos faz pensar, das lutas e causas em que estamos ou devíamos estar, das manápulas que nos empurram os olhos contra a areia, dos vírus, bactérias e gostos alimentares que atormentam a nossa saúde, da torneira a pingar, dos desgostos que o próximo nos inflige, da falta de sono que tanta coisa nos provoca, do imperativo de termos de trabalhar para o pão nosso de cada dia.

E aqui estou eu, sem nada para dizer, com a única intenção de vos levar a ler até ao fim um texto que, não engano, nada vos vai dizer.
Provavelmente, ontem ou hoje, já destes por vós numa palestra ou num encontro, onde tivestes de gramar com um orador que sacou dum power point, de que não se percebia onde queria chegar ou que simplesmente falou muito bem sem nada dizer, porventura, um texto que, pretendendo dizer muito, não dizia mais do que este, ou ouvistes com paciência uma colega ou uma vizinha que fala, fala, fala e não diz nada.

Pois ouçam-me, ou pior ainda, tendo em conta que ler é um ato muito mais voluntário do que ouvir, leiam-me, avisados de antemão que daqui não vão levar nada porque é de nada que estou a falar. Assim, tipo uma cantilena onde as palavras se encadeiam sem propósito maior a não ser desfilar, uma cantiga de aí ou ai, uma canção de ó baby, baby, um mestrado sobre a influência da oralidade nas relações sexuais, uma homilia do capelão solteiro num casamento gay, um  discurso do presidente da assembleia de freguesia numa entrega de prémios, assim mesmo farei, ou melhor, estou fazendo. E volto a avisar, sei onde isto vai chegar, não sei quando vai parar.

É um prazer do caraças escrever sem ter de pensar naquilo que se vai dizer, sem ter de estar preocupado em ser  mal entendido, em falar demais sobre aquilo que se é ou se pensa, em ter um objetivo de expressar uma opinião ou ideia. Oh como é bom escrever só por escrever e escrever sobre nada, estando-me nas tintas para quem largou a leitura no primeiro parágrafo e agradecendo a companhia àqueles que continuam a ler com o mesmo carinho amigo com que ouvem o colega ou o vizinho que fala, fala, fala e não diz nada.

Aguentem, estava agora mesmo para ficar por aqui mas lembrei-me outra vez que não sou nada original nesta ideia de falar ou escrever sobre nada. Isto da alfabetização, das universidades a pontapé, dos canais de televisão às mancheias, dos palcos desmontáveis e microfones sem fios, das redes sociais, dos reis auto-coroados em blogues, deu origem a um autêntico cataclismo de sabedoria inócua.

É muito fácil ver um porco a andar de bicicleta, o difícil é ele fazê-lo. É muito difícil um porco ser homem, já o contrário é facílimo. É difícil a um homem assumir a sua suinidade e eu acabo de fazê-lo. Estou a ser um pouco porco, a sujar o vosso precioso tempo em que vos predispusestes a entreter-vos, a resistir a uma leitura sobre nada e, de repente, por distração minha, já estávamos aqui a falar de porcos e outras coisas mais sérias sobre homens porcos. Não tarda muito estarei a falar sobre outras porcarias e eu não quero. Afinal de contas, escrever sobre nada é mais difícil do que eu pensava. Parabéns a todos os que desenvolvem a sua atividade política, profissional, social e familiar, fugindo de conversas sérias e falando com ar sério sobre nada.
Só me faltava que, no fim de tanto esforço, alguém me viesse dizer que escrevi sobre alguma coisa! Não, estive apenas nadando nas palavras, frases nadas, nascidas como os pardais, paridas como os ratos para uma existência  sem sentido mas ainda assim com vida.

Por uma questão contabilística agradecia que quem leu até ao fim assinale "boa patada" ou "uma porcaria". Bom 10 de junho!

5 comentários:

Zé Povinho disse...

No uso da palavra sois mestre, na política teríeis futuro, bastava abraçar um daqueles partidos cheios de gente em redor da gamela. Não creio que isso seja opção para tão nobre criatura...
Abraço do Zé

Sérgio Ribeiro disse...

Por aqui andei a nadar. Porque navenadar é preciso... como dizia (mais coisa menos coisa) o outro. Aquele que, por um nada, dizia muito. Ou pouco. Ou nada. Talqual os malmequeres. Um abraço, por tudo!, do Zambujal

Maria disse...

Gostei de lê-lo.

Judite Castro disse...

Também gostei. E nadei até ao fim

maceta disse...

King, há quanto tempo...


e, como sempre, o teu modo de escrever cativa sempre. Não dizendo nada disseste tudo...
um abraço e uma grande patada.