domingo, 26 de fevereiro de 2023

Velhos amigos

A carrinha era uma Ford Transit de caixa aberta em que o pai o deixava andar.

- Nem queiras saber! Tive um acidente na sexta! Ali na curva da Boavista! Ia com o Carlitos! Sabes como é!? Ia a abrir! Pronto! Capotámos! Não nos aleijámos nem nada! Saímos, as rodas no ar ainda a rodar e os faróis a dar, no escuro do pinhal, nós os dois, e a música a abrir, o leitor de cassetes continuava a trabalhar, Sex Pistols - God Save de Queen - que cena meu! 

Senti vontade de aprofundar esta amizade. Ela teve quase só expressão no gosto comum por alguma música, pela integração na mesma banda e pelo convite final para uma boda de casamento.

Passados muitos anos, recém entrados na época dos telemóveis, restabelecemos contacto:

-Pá! Eles vêm ao Atlântico! Vamos lá!

- Ó pá! Já não consigo abanar a cabeça!... Que gosto em ouvir-te!...

- Levo-te! Trago-te! Compro-te o bilhete! Diz-me onde moras!

E lá fomos, via A1, eu, ele, a que foi noiva e um filho. Noite chuvosa, 180, 200, 220, acelerar, travar, pela esquerda, pela direita, até que o meu coração falou:

- Podes ir mais devagar?

- Vais com medo?

- Quem? Eu? Não! Não te quero é sujar os estofos!

Depois, jantámos no Vasco da Gama, onde qualquer tipo que só está habituado aos comes e bebes da província gosta de comer (Ah!) e fomos para o concerto, bem ali, perto do palco, no lugar dos mais fãs! Nas bancadas, cabeleiras encanecidas e carecas luzidias abanavam sem vigor a cabeça. Apareceram no palco os velhos músicos com um sósia  no lugar do falecido líder. A ignescência acendeu os mais explosivos!

Eu e o filho de pé, mantivemos os braços cruzados, apreciámos o palco, os velhos temas, o som,  e o ambiente, numa atitude de maduro comedimento. Á nossa frente, o  velho amigo conservava a idade e tinha companheira para isso, os dois não pararam de tocar a viola  invisível, de abanar a cabeça, curtir e viver por inteiro o concerto.

Aquele filho de 18 anos, foi quem conduziu a viatura no regresso, sempre na casa dos 180. Nunca me senti tão calmo e seguro numa viagem!

Amigo,  se por acaso leres estas letras, diz alguma coisa, nem que seja apenas:

-  Ó show me way to the next whiskey bar!...

E voltar a Lisboa contigo, só se for para um concerto da Janis Joplin!

3 comentários:

Janita disse...

Só quando li a última frase deste texto, semi-jocoso, semi-saudoso, é que percebi a razão do título que me aparece lá na minha lista. Entretanto, fina-se, pois está claro...se ficar à espera de ir a um concerto da finada Janis Joplin.
Admiro imenso quem tem tanta capacidade inventiva, a ponto de descrever situações que nos fazem olhar as palavras e assistir às cenas que nos são descritas.
Infelizmente, não tenho essa paciência. :(
Vi, na minha frente, essas cabeças calvas e luzidías e outras branquinhas de algodão, a abanar o capacete ao som dos The Doors...ou enganei-me no nome da Banda? :))

Pata Negra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pata Negra disse...

Claro The Doors! Sem Jim Morrison!