sábado, 23 de setembro de 2023

Um pouco de lenha para a fogueira

Herdei um carvalho centenário que tive de cortar porque fazia sombra à aldeia. No passado sábado lá fui eu para a terra ter com três primos mestres na lide da moto serra. Cortar um carvalho é tão violento e tão bárbaro como matar um porco. A moto serra é a faca afiada, o tombo imponente, o derradeiro cuinho da matança e a extinção da sombra é como um curral que acabou de ficar vazio.

Passámos a manhã no desmancho do animal vegetal. O meu primo Manuel ganha 700 euros mensais, o meu primo Miguel está desempregado e o meu primo Arnaldo é emigrante e está cá de férias.

Para os sábios economistas da televisão, os baixos salários são bons para a competitividade da economia, o desemprego é bom para flexibilizar a economia, a emigração é boa para os emigrantes mandarem as suas economias para cá e os dias de folga têm implicações negativas na economia nacional. Mas eu e os meus três primos estivemos a trabalhar, a produzir lenha e a produzir energia. Para compensar a energia dispensada com a força do nosso trabalho, tive de os compensar com um almoço de leitão já que o meu primo Manuel não me quis levar nada, o meu primo Miguel deve-me dinheiro e o meu primo Arnaldo não precisa.

Passámos a tarde a jogar dominó na tasca do Pirilau, bebemos uns copos e, por causa da crise, a conversa foi parar à política.

O meu primo operário deu sova nos que estão e disse que os que estavam fizeram coisas erradas mas que a culpa de ter fechado o Centro de Saúde foi destes e que os outros estavam a começar a pôr os funcionários públicos no seu lugar.

O meu primo sem emprego diz que os que estiveram antes é que deram cabo disto tudo, que o Centro de Saúde só servia para as velhas porem a conversa em dia, que os outros estavam feitos com os banqueiros, que não há dinheiro, mas que isto agora vai mudar.

O meu primo que vive no estrangeiro diz que isto se estragou tudo quando estes se juntaram com os tais quando perderam, que os seguros de saúde servem para alguma coisa, que enquanto não expulsarem os imigrantes não vamos a lado nenhum e que se vivesse cá votava era no “coiso” porque ele diz algumas verdades.

E eu que sou funcionário público com pouca saúde, que sou dos tais que nunca votam nestes nem nos outros, que nem posso ouvir falar de fascistas nem de arraçados, que não concordo com a existência de salários tão baixos para quem tanto produz, com desemprego num país com tantas coisas para fazer, com gente que teve de partir e não consegue compreender quem chega, que gosto tanto dos meus primos, não tive coragem de os mandar para o carvalho: fui eu!

(o filme documenta o momento em que fui)

3 comentários:

Janita disse...

Ainda com um sorriso de orelha a orelha, a primeira coisa que me ocorre dizer é que a sua Aldeia, caro P.N. deve ser muito, muito pequenina para que um carvalho faça sombra a todos os habitantes.
Depois, abater um carvalho, quiçá centenário, é um crime de lesa-pátria. Se nãp é deveria ser.

Finalmente, ler logo pela manhã, uma historieta como o seu peculiar toque humorístico é o que precisava para me deixar bem disposta para o resto do dia.

Quanto ao vídeo; ir para o carvalho sem proteção na cabeça, tráz quase sempre maus resultados, ou seja, quedas aparatosas e dores na tola.

Bom fim-de-semana.

Tintinaine disse...

Gostei de ler a crónica do quercus que guinchou como um porco e, como esse, não houve quem o viesse salvar!
Escrita bem humorada, como eu gosto!

Pata Negra disse...

Janita e Tintinaine, muito obrigado pelos vossos comentários bem dispostos.