sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Este dia não é de todos os santos mas de todos nós

1- Quando eu era pequenino o dia 1 de novembro era o dia do Bolinho. Nós,  os petizes,  íamos em bandos pedir, de porta  em porta, o Bolinho que podia não ser bolo mas nozes, tremoços, castanhas peladas, cinco tostões, rebuçados franceses,  "não tenho aqui nada" ou "sumam-se daqui para fora cachopos pedinchões!". 
No fundo tratava-se duma iniciação áquilo que os portugueses tanto gostam de fazer: pedidos e peditórios, recolhas de bens e angariações de fundos. 

O facto de sermos muitos ou poucos, filhos de fulano ou sicrano, mais ranhosos ou mais engraçados, tinha bastante influência na qualidade e quantidade das iguarias recolhidas. 
Um dia, já grandito, a esperta da minha mãe aconselhou-me a ir sozinho e recomendou-me as palavras e modos como devia chamar pelas tias e pedir o Bolinho - tive de ir três vezes a casa despejar a saca e juntei uma nota de Santo António de tostões, tal foi o sucesso.

2- Quando ganhei buço, o dia 1 de novembro passou a ser o Dia de Todos os Santos. Durante os loucos anos 70 e 80, o dia era de festa, de baile ou de andar de pipo em pipo para eleger a melhor água-pé da aldeia. Lembro-me num dia em que, pelas quatro da tarde, começámos quatro, e pela meia noite éramos  quarenta,  visitando todas as adegas, deixando em todas as casas do lugar um rasto de melodias e alegrias que avivaram as lareiras adormecidas das gerações mais antigas.

3- Agora que sou grisalho, queriam que eu começasse a viver o dia como o dia de ir ao cemitério mas está quieto: a minha gratidão não é de pétalas, a minha memória não é de mármore e a minha fé não é de cera. 

Enquanto dia especial do calendário, a especialidade do dia tem origem em celebrações pagãs aproveitadas pelo culto católico. Se a ligação aos santos não fosse leviana, a  bispalhada não teria prontamente oferecido ao governo "passosportas", em 2012, a sua extinção como feriado. Não fossem, posteriormente, os comunistas a exigir aos socialistas a reposição dos feriados extintos e ainda hoje estaríamos a trabalhar um dia à borla em nome não sei de que santos. 
...
Focado nestes três tempos, vivente destas três idades, eis-me hoje em casa, sem crianças a bater-me à porta, sem amigos ou adega para virar uns copos e descascar uns tremoços, mas gozando um feriado de raízes ancestrais, dos celtas ou dos romanos, das bruxas ou dos padres, dos vivos ou dos mortos, mas de direito. Porque, se eu fosse trabalhar, trabalharia mais um dia do que no ano anterior e, assim sendo, a entidade patronal teria usufruído de mais um dia de trabalho meu do que no ano anterior, sem me pagar mais nada.

Viva o 1º de novembro! O feriado que é de todos os santos e, como santos não vemos, não é de ninguém.

1 comentário:

Janita disse...

😊 Gostei muito de ler!
🍭 🍬