- Mas nós não temos conta no banco!
Desta vez o homem alto e bem vestido não
se riu, virou-se para a colega como que perguntando com é que vamos resolver
este assunto. Sim, era evidente que nos próximos dias teriam de abrir contas,
preferencialmente em vários bancos. Mas como poderia a Casa adiantar algum para
eles pernoitarem em Lisboa e regressarem a casa?
A mulher baixa e bem vestida riu-se, virou-se
para o colega como quem diz que encontrou a única maneira.
Saíram os dois por instantes e regressaram à
sala para apresentar a única solução. Eles próprios, os dois funcionários,
iriam ao multibanco e levantariam algum para lhes emprestar. Era só uma questão
de se determinar a quantia e de assinarem um papel confirmando o empréstimo.
Francisca e Jacinto não tiveram outro remédio se não concordar, prometendo que
lhe duplicariam a quantia. Não seria necessário, responderam-lhes, mas além de
lhes emprestarem algum líquido, iriam com eles a um hotel 5 estrelas, ali próximo,
para ali pernoitarem e ali experimentarem os luxos da sua nova vida.
Os dois funcionários prometeram e pediram sigilo
absoluto nestas combinações, não fossem os regulamentos internos arranjar-lhes
alguma mancha na carreira. Não tinham dúvidas que estavam a agir por bem,
embora não fosse muito normal, pobres desenrascarem ricos com dinheiro.
Riram-se os quatro do bom entendimento. Os
felizes contemplados foram deixados no hotel, com o disfarce possível para os
empregados não estranharem ou perceberem que se tratava de felizes contemplados
com o primeiro prémio do euromilhões.
Sentiram incómodo por não haver maneira de
esconder a sua origem e condição, provincianos pobres entre aspas, andaram
pouco à vontade por circularem por espaços e tocarem objetos que lhes eram
estranhos.
Na suíte foi diferente, ninguém os via.
Testaram almofadas e colchões, espreitaram por janelas, miraram espelhos - para
que é isto? como é que isto funciona? olha aqui isto! -tomaram banho, tentaram
fazer amor, não conseguiram - mau! mau! – disse Jacinto - é muita emoção! –
disse Francisca.
Desceram para Jantar. Nem aquela comida era
para eles, nem aquela mesa e aquela toalha, nem aqueles pratos e aqueles
talhares, nem aqueles jovens assim vestidos e com palavras a condizer. Se a
fortuna por sorte os tomou, não seria de certeza para a esbanjar a frequentar
locais daqueles e muito menos a comer coisas daquelas.
Subiram novamente, tentaram ligar a televisão
não conseguiram, tentaram ligar o ar condicionado não conseguiram, tentaram
novamente fazer amor não conseguiram, tentaram falar do dia de amanhã não
conseguiram, tentaram dormir, só lá para as quatro da manhã.
Mas tinham conseguido responder à opção de
tomar o pequeno-almoço no quarto. À hora combinada estavam à porta do hotel
para se encontrarem com a mulher baixa e bem vestida. Esta havia-se
disponiblizado para os acompanhar a uma agência bancária para abrir uma conta e
nomear um gestor de confiança. Depois disso, dirigiram-se novamente à Santa
Casa para tratar de mais umas burocracias e assinaturas e clarificar como se
processariam as coisas nas próximas semanas.
Decorridas 24 horas tinham despachado o
assunto que os tinha atormentado nos últimos dias e tinham arranjado dois
amigos, um homem alto e bem vestido e uma mulher baixa e bem vestida, que
estavam dispostos a ajudá-los no que fosse preciso, que os informariam por
telefone do montante do empréstimo - somados os valores líquidos às contas feitas
com o hotel - que se arranjaria forma de ser feita a transferência, que seria a
dobrar! - repetiu Francisca para encerrar a conversa.
Como
último favor, chamaram táxi para os ir buscar ao 194 da Avenida da Liberdade,
com discretas despedidas para não levantar suspeitas.
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