Retomemos agora a composição do capítulo do reaparecimento do pai de Francisca e passemos à ação. Se o homem entrou aqui, que não nos sirva apenas para justificar a súbita saída da filha e do genro da condição de pobres mas que se aproveite a sua vinda à cena para encobrir outras extravagâncias como, por exemplo, umas férias, as primeiras férias dignas desse nome.
Ainda chegaram a pensar contar a ausência numa
viagem imaginada ao Brasil mas era conto que exigiria muito cuidado e muita
arte na invenção, pelo que se limitaram a uma estadia na capital, para ver o
pai cógnito, ouvir explicações, cheirar património, tatear afetos, saborear a
família, reunir os sentidos das suas vidas. Nos termos da linguagem corrente
assim foi explicado o encontro e encontrado o novo argumento que os tiraria de
Vale do Ovos por uns dias.
— Ele vem cá a Lisboa mas não quer vir cá à
terra porque ainda devem estar vivas umas pessoas que não quer ver. Quer
ver-me, diz que tem uma coisa para me dar!
— Já deve estar velho o Marçal. Ele tem é vergonha daquilo que te fez!
- É melhor não pôr aqui os pés, fugiu para o
Brasil e ficou a dever muitos réis a muita gente, um deles foi o meu falecido
pai!
- Pede-lhe dinheiro filha, tu não te acanhes!
Ainda por cima, agora sem o Jacinto a trabalhar!
- Ná! Vindo de quem vem, isso traz água no
bico! Conheci ainda bem o Marçal Marques! Vê lá é se ele não te vem pedir
dinheiro a ti!
- Seja o que Deus quiser, que ele nos arranje
estadia e comida por estes dias já não é mau. Na volta vamos aproveitar para o
Jacinto ir a uma consulta. Haja saúde para trabalhar que dinheiro não nos há de
faltar!
Estes diálogos acabavam por lhes trazer
alguma tranquilidade e, chegado o dia, informaram os “interessados” da partida,
prepararam a mala com entusiasmo, não sendo, como sabemos, o destino a capital.
Compraram o bilhete para Lisboa, não fosse o chefe da estação dar com a língua
nos dentes, mas saíram no Setil e daí seguiram para o Algarve. Para que terra, para
que praia, para que hotel, logo se veria, já tinham ambos apanhado o jeito de
usar cartões bancários e já se tinham habituado a reações de quem estranhava
despesas consideráveis num casal com tão pobre figura.
Enquanto por lá andassem pensariam no que
iriam contar sobre o encontro entre pai e filha, agora era o Alentejo que
passava na janela do comboio como se ela fosse uma televisão e o Algarve só
seria real quando lá pusessem os pés no chão. Tudo rimava sobre carris.
- O senhor revisor importa-se de nos avisar
quando chegarmos à estação do Algarve?
Apercebendo-se que não estavam a brincar, o
funcionário explicou-lhes com rara complacência e simpatia o equívoco da
pergunta e, para primeira vez, recomendou-lhes Quarteira se quiserem gastar
pouco, Albufeira se tiverem muito para gastar.
- Muito obrigado! Avise-nos então, se faz
favor, quando chegarmos a Albufeira!
- O meu colega do Setil, como lhe devem ter dito
que queriam viajar para o Algarve, passou-lhes um bilhete para Tunes. Nesse
caso tenho do vos vender um suplemento para irem até Albufeira!
- Fique com o troco!
O revisor ficou com o troco e ficou de boca
aberta, nunca na vida tinha recebido tão generosa gorgeta.
O mesmo viria a acontecer com o taxista, que se viu na inédita situação de escolher o hotel para os clientes.
- Pode ser caro! Queremos é descanso e boa
vida!
De mãos cheias com a generosa gorgeta, cheio
de amabilidades com malas e acessos, nunca deu com tanto prazer um cartão com o
seu contacto:
- É só ligarem! Estarei aqui à porta em
poucos minutos!
5 comentários:
Não é só e apenas o casal Jacinto/Francisca que estão a beneficiar com o passar do tempo e vão ganhando traquejo com o modo de se divertirem, no pleno gozo da sorte que lhes bateu à porta.
Também o narrador está a aprimorar a narrativa dando ao leitor uma perspectiva mais animada desta novela. Vamos ver se a nossa heroína compra um bikini moderno e se bronzeia na areia da vila algarvia... :-)
Obrigado Janita pela companhia, bem sei que não é fácil acompanhar uma história nesta forma de folhetim digital. Segundo revela a estatística do Blogger, haverá apenas umas 40 almas que dão uma olhadela semana a semana e que, no seu direito, optam por não se manifestar.
Espero poder vir a retribuir-lhe a simpatia com um exemplar em livro, se a esse porto formos capazes de chegar.
Pata Negra.
Não se preocupe, Monarca! Por norma, as pessoas mesmo as que dizem gostar de ler, aqui, na blogosfera, gostam de 'cenas' curtas. Ainda que leiam, não absorvem o conteúdo e falar daq
Não se preocupe, Monarca! Por norma, as pessoas mesmo as que dizem gostar de ler, aqui, na blogosfera, gostam de 'cenas' curtas. Ainda que leiam, não absorvem o conteúdo e falar daquilo que não se percebe não é fácil.
Quanto ao resto, falaremos mais tarde.
Um abraço.
PS - Parece que anda aqui bruxedo...os meus comentários ficam a meio sem que eu dê ordem de publicar e não os consigo eliminar totalmente. Bolas!
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