Francisca foi ao
frigorífico e preparou a refeição possível. Abriu um vinho, respirou com ele e
pôs-se, aliviada, a fazer o ponto da situação:
A nova mentira,
“Jacinto preso por tráfico de droga” – Ah! Ah! Ah! - está montada, lançada e terá pernas para andar, até se perder, por
todas as casas, quintais, ruas, vales, cantos e recantos de Vale dos Ovos e
arredores. E, se não se perder, se alguém a descobrir, já não importa!
Dificilmente descobrirão por onde anda o casal de traficantes de droga! E se descobrirem
também já não importa!
Assim sendo, a primeira coisa a fazer é desfazer-se da moradia da praia, da qual gente
de mais sabe da sua existência. Depois? Depois? Amanhã terá de ter uma
conversa telefónica com o “assim, assim” marido para lhe expor o ponto da
situação que está, agora mesmo, a fazer, com uma garrafa de tinto que já vai a
meio. Dir-lhe-á: “pontos nos is”, “como é que é a nossa vida?”, “vou continuar
contigo?”, “divórcio?”, “dinheiro? contas à parte? espatifá-lo? viver sem
espalhafato? ”, “como é?…”.
Quando se apercebeu que esta reflexão começava a ficar turva, decidiu ir para a cama e adormeceu sentindo a falta do seu companheiro de sempre. Era inevitável, acabaria por mudar de residência para Vila Facaia.
Aqui chegados, eis
a pergunta que se impõe:
- É isto a incrível história do casal a quem saiu o euromilhões?
Pergunta à qual se acrescentam outras interrogações:
O que leva uma pessoa a pôr-se a ler um livro assim? Prazer pela
leitura? O título interessou-lhe? Gosta do modo de escrever e de criar do autor?
Seja qual for a razão, é quase certo que, ao fim de cerca duma centena
de páginas viradas, já questiona o interesse do enredo, abre a boca enquanto
avalia a espessura do conjunto de folhas sobrantes e guarda para amanhã o esforço
final de chegar ao fim, curiosa de, pelo menos, ver como isto vai acabar, se
tudo bem – como Francisca acaba de pensar - se em tragédia, se morre alguém ou
morrem todos, solução esta que é a mais prática e garante que é mesmo o Fim e
que não haverá fio para mais uma temporada.
Quem não experimentou já ver um filme com pouco entusiasmo mas com
suficiente curiosidade para ver o final e, aí chegado, ter de perguntar:
- Mas tanta coisa para isto? Tanto tempo para escrever o guião, tantos
atores a decorar texto, tanto investimento na produção, tanta tinta, tanto
gasto, para nos porem a ver isto?
No caso presente, informe-se quem esteja a passar por semelhantes sensações que, pelas mesmas passa agora o próprio autor, a braços com o dever de dar um
sentido existencial à história, parágrafo a parágrafo, aumentando o volume do
objeto livro, ansioso de chegar a uma clareira que lhe dê luz para o remate
final dos acontecimentos e faça jus ao título que contém o termo “incrível”.
Afinal de contas, ao fim de tantas horas investidas nesta escrita, desistir seria doloroso, pelo que há que manter o ânimo e acreditar que esta
história merece ser livro. Claro que merece! Aliás, até as pessoas que nunca
leram um livro, acabam um dia por se descair e contar a alguém que a sua vida
dava um livro! Tudo justifica um livro, ainda que possa ser muito pequeno. Haja quem leia! Isso já é outro problema!...
E já que estamos num intervalo de divagações, falemos também assumidamente, que há dados que ainda aqui não foram dados, de forma intencional, por técnica, estratégia, capricho ou inabilidade.
Por exemplo, em que anos se passa a história? Não sabemos se é
importante mas, tirando umas por outras, podemos lá chegar. Certo que estamos
depois de 2004, ano em que foi lançada a lotaria do euromilhões, e antes de
2025, que é o ano em que estamos.
Mas podemos esclarecer, porque chegou a altura, que desde o dia em que o
casal confirmou a sorte, já terão decorrido nove meses, pelo que, medindo
novamente a quantidade de páginas ainda não lidas, poderemos concluir que já
temos pouco tempo, considerando como boa regra, que um ano chega para gestacionar uma história.
Deixamos também nota para uma questão que, porventura, andará presente
em mentes mais materialistas:
- Porque tem permanecido omisso, até aqui, o montante exato, arredondado ou bruto, do prémio
recebido?
E omisso continuará até ao fim, primeiro porque a dimensão do valor pode
tentar o leitor a imiscuir-se no teor da narração e a tecer críticas às opções
do autor, segundo porque não responder a essa curiosidade primária, poderá
levá-lo a continuar a leitura até ao fim.
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