- Como faço para adquirir o livro?
- Teré téu téu!
- Teré téu téu.
- Por transferência, mbway, uma nota de 10 num envelope pelo correio ...
- Morada - xxxxxxxx
Nem queria acreditar! A 200 metros de mim em linha reta, um pequeno quintal, um muro alto, um portão alto, uma casa entre casas, deixa-se ver apenas o telhado e uma janela de águas furtadas. Podia lá ir eu, diretamente, colocá-lo na caixa do correio.
Mas não. Gosto dum pretexto para ir à vila, entrar na estação, tirar a senha, acenar a cabeça a um conhecido, fixar um rosto que ficará retido na memória e deixará de me ser cara estranha, apreciar os movimentos do espaço e do balcão, uma envia um vale de correio, um casal trata dos seus certificados de aforro, uma idosa levanta a reforma, um logista levanta uma encomenda. Topo os livros...
- Não nos bastavam os supermercados e as feiras de artesanato a venderem livros, agora até os CTT já vendem livros! Os livros compram-se nas livrarias ou encomendam-se ao autor pelo correio!
Chega a minha vez. Levo sempre o dinheiro trocado, 56 cêntimos se for um, 1 euro e 12 cêntimos se forem dois, 1 euro e 68 cêntimos se forem três. O funcionário esboça um sorriso aliviado por não ter de fazer o troco.
Adelaide Silva. Há anos que a vejo sair do carro para fechar ou abrir o portão enquanto aguardo que a rua fique desimpedida, é então que tenho oportunidade de espreitar para o pátio e conhecer um rasgo do território que está para lá do muro alto. Entra novamente no carro, quase sempre desprezando-me embora, algumas vezes, já sentada no habitáculo, me deixe dúvidas se ajeita o retrovisor ou me acena com um obrigado ou um desculpe.
Ou então embirra com a minha cara de homem que, desta forma, já lhe conhece bem os traços e os jeitos para a reconhecer, ao longe, no areal da Figueira. Os homens daqui são assim, muito machos, ler livros para eles é coisa de mulheres. Elas leem mas não vão dirigir-se a uma cara que tão bem reconhecem pela caricatura da capa - comprava-lhe um livro mas ele é um trombudo!
Ora essa! Nas palavras cruzadas diz-se que "não fazem milagres" e eu convivo bem com isso! Aliás, nem sei bem onde enfiar o olhar, a próxima vez que vir a Adelaide.
Herdou a casa, já me tinham dito. Era bailarina, teve um entorse ou as pernas não davam mais e veio refugiar-se aqui entre muros. Sabe-se que quando se ausenta, deixa o portão fechado a cadeado e vai a Lisboa para se atualizar, cuidar-se ou passear.
Deve ler muito para, não sei porque meandros, me encomendar um "homem". Duvido que sonhe que vivemos a 200 metros um do outro em linha reta. Desvendar a coincidência, tal como desenvolvermos conversa, seria embaraçoso. Por isso, de meu preceito, escolhi o caminho mais fácil, fui aos correios à vila para enviar um "homem" para uma vizinha.
10 euros, incluindo 56 cêntimos, mais gasolina e envelope com remetente para devolução em caso de problemas com o destinatário. Estraguei tudo! Ontem abri a caixa de correio e tinha um bilhete:
"Gostei muito! Gostaria de trocar umas palavras consigo sobre o homem que me persegue. Toque na sineta que está ao lado do portão."
E agora?
2 comentários:
Quem sabe se o toque da sineta poderá ser o prólogo de uma nova história a entrar no prelo, dentro de pouco tempo!
Seria uma ideia mas, provavelmente, a rainha dos leittões não iria aceitar! Obrigado pela sugestão.
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