Em 2022 publiquei aqui um texto com o título “O teste do berbequim”. Para quem não se quer dar ao trabalho de seguir a hiperligação para mais uma leitura, contarei, em resumo, que abandonei - pousei, coloquei - um berbequim avariado no muro de entrada do meu quintal, com três propósitos: testar se passavam ladrões à minha porta; testar se as pessoas me estimavam a ponto de me alertarem de que me tinha esquecido ali do berbequim; e testar se o conjunto - o muro de pedra antiga, a máquina de bricolage ao relento e a envolvente - poderia configurar uma instalação artística capaz de captar as sensibilidades de amigos que apreciam essas dimensões do visível.
Os meses passavam e ninguém me levava a peça, julgando-a funcional; ninguém me alertava para o suposto esquecimento da cabeça que ali a deixara; ninguém me dirigiu um comentário sobre o facto de o berbequim ficar ali mal ou ficar ali bem.
Até que, ao fim de três anos, o súbito desaparecimento do aparelho agitou o agregado familiar. Teria sido "o de mau aspeto" que deixara a última encomenda? O cão zarolho da vizinha, que o confundiu com presunto? Uma visita amiga que quis brincar e o levou para o seu muro, esperando que, quando eu lhe retribuísse a visita, nos ríssemos em coro da surpresa? Pensou-se em muitas hipóteses, mas, claro, sem dramatismos - já era tempo de acabar com a história que, de tantas vezes contada, já perdera a graça.
Eis senão quando, e apesar da dieta, não resistindo ao convite do meu vizinho Zé Luís para provar a sua água-pé nova, dou de caras com o Bosch verde, num novo poiso e numa nova morada.
- Então, porque é que trouxeste o meu berbequim para aqui?
- Para ver se lhe conseguia tirar a cabeça, para aproveitar para outro!
A pureza e a autenticidade da resposta desarmaram-me. Eu nem sabia que os berbequins tinham cabeça! Nada do que era previsto aconteceu e a peça teve o seu melhor destino: foi parar às mãos de alguém que ainda lhe poderá dar algum proveito.
Mesmo que acabe por permanecer mais anos do que no muro, tenho de reconhecer que, como instalação, está muitos pontos acima daquela que ousei criar.
(Listagem: berbequim Bosh, pedaço de sabão azul, tábua de cozinha, esparavel, isqueiro, lanterna, sobre prateleira de mármore de Estremoz e cobertura de duas águas em chapa da sucata.)


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