Vinha formosa e segura com um feixe de erva à cabeça e um foice na mão esquerda. A distância do caminho não lhe revelava o rosto mas o porte de moçoila informava a expressão.
Aos sábados costumávamos, os três, em duas motas, “espiralar” nos arredores de adro em taberna, de café em arraial, à procura de entretenimento e, diga-se de passagem, que o arranjávamos quase sempre.
O estabelecimento do Vinte e Oito - vá-se lá saber porque há tanta gente com alcunha numérica - tinha um balcão com pia de pedra, duas ou três prateleiras, umas sacas de farinha que serviam de banco aos clientes mais demorados e vendia bebidas, tremoços, amendoins e batatas fritas de pacote. Em tardes com prolongamento podia-se servir um prato de atum, cebola e azeite e uns nacos de pão.
A vida do Vinte e Oito tinha outras coisas e, aos fins-de-semana, eram as duas filhas “estudantas” que tomavam conta do negócio e nos davam a conversa.
Estávamos os cinco com três “minis”, sentados no banco da rua, com o tema do momento a esmorecer quando se avista o vulto desta história e o Cartucho vira o assunto:
- Não é a Teresa que encontrámos nos Fischers Head em Coimbra?
E o Toino Gaio:
- Eh lá aí! Oh Teresa! Temos fome! Não arranjas por aí um bocado de toucinho?!
E ela respondeu, ainda mais alto, encurtando os cinquenta metros de distância:
- É pra já, venham atrás de mim!
Para logo desaparecer, entre os muros dos quintais, deixando apenas à vista o cruto de feixe de erva a bambalear. Ficou-se a falar da Teresa, de como era e não era, do que fazia e não fazia, de que era a mais nova de nove, que só ela, quando podia, vinha auxiliar os velhos, com as vizinhas a assegurar que era mulher para nos matar o apetite e, eis senão quando, passado um quarto de tempo, se ouve da meia encosta:
- Está quase assado, querem-no deixar arrefecer?
Custava a acreditar mas, com uma data de troca de insistências e sinais, começou a coser-se o saco roto:
- Queres ver que é mesmo a sério?! E eu que não gosto nada de toucinho!
Disse o Cartucho. E o Gaio:
- Ah querias brincadeira?!
A Carla:
- Agora têm de ir! Assumam! Aguentem! Eu não vou porque tenho de ficar a tomar conta do tasco! Vai tu Lena, com estes desavergonhados a pedir e envergonhados para comer!
A Lena à frente, os três atrás; a ordem de entrada na casa aberta; a cozinha antiga, tradicional e confortavelmente pobre; o pai, já de idade, à lareira, a mãe, a evitar a visita, de saída com o cântaro para a mina.
O ti Esquim: - sentem-se à vontade!... a Lena já sabe o que a casa gasta!... de onde são?... conheço!... o Manel Rá ainda é vivo? a filha de hospitalidade igual ao pai; o aguamento à presença do toucinho já no prato – nessa altura eu ainda pensava que o colesterol era uma tinta para tratamento de madeiras – o palhete a brilhar no jarro; o primeiro copo; está tudo muito bom!... boa pinga!... o segundo copo, a conversa; o terceiro copo, o à vontade; o quarto copo, a gargalhada; o quinto copo, a festa.
- Trago aqui água! Parece que é coisa que não é precisa por aqui!?...
O regresso à compostura, a tia Etelvina a entrar aos poucos nas piadas e eu com uma minha:
- Sabe, eu tenho um problema, não posso casar! Já pensei nisso mas desisto sempre, não posso, gosto das raparigas todas!
E passados anos, de vez enquando, lá surgia esta à mesa:
- Eu não me esquece, a primeira vez que entraste aqui, disseste que não podias casar porque gostavas das raparigas todas!
- Mas a sua filha é diferente, tem um sinal na cara!
E já lá vão uns anos, a ti Etelvina e o ti Esquim no Céu, esta história singela a querer justificar-se com o S. Valentim, mas não é nada disso, é mesmo casamento!
Aos sábados costumávamos, os três, em duas motas, “espiralar” nos arredores de adro em taberna, de café em arraial, à procura de entretenimento e, diga-se de passagem, que o arranjávamos quase sempre.
O estabelecimento do Vinte e Oito - vá-se lá saber porque há tanta gente com alcunha numérica - tinha um balcão com pia de pedra, duas ou três prateleiras, umas sacas de farinha que serviam de banco aos clientes mais demorados e vendia bebidas, tremoços, amendoins e batatas fritas de pacote. Em tardes com prolongamento podia-se servir um prato de atum, cebola e azeite e uns nacos de pão.
A vida do Vinte e Oito tinha outras coisas e, aos fins-de-semana, eram as duas filhas “estudantas” que tomavam conta do negócio e nos davam a conversa.
Estávamos os cinco com três “minis”, sentados no banco da rua, com o tema do momento a esmorecer quando se avista o vulto desta história e o Cartucho vira o assunto:
- Não é a Teresa que encontrámos nos Fischers Head em Coimbra?
E o Toino Gaio:
- Eh lá aí! Oh Teresa! Temos fome! Não arranjas por aí um bocado de toucinho?!
E ela respondeu, ainda mais alto, encurtando os cinquenta metros de distância:
- É pra já, venham atrás de mim!
Para logo desaparecer, entre os muros dos quintais, deixando apenas à vista o cruto de feixe de erva a bambalear. Ficou-se a falar da Teresa, de como era e não era, do que fazia e não fazia, de que era a mais nova de nove, que só ela, quando podia, vinha auxiliar os velhos, com as vizinhas a assegurar que era mulher para nos matar o apetite e, eis senão quando, passado um quarto de tempo, se ouve da meia encosta:
- Está quase assado, querem-no deixar arrefecer?
Custava a acreditar mas, com uma data de troca de insistências e sinais, começou a coser-se o saco roto:
- Queres ver que é mesmo a sério?! E eu que não gosto nada de toucinho!
Disse o Cartucho. E o Gaio:
- Ah querias brincadeira?!
A Carla:
- Agora têm de ir! Assumam! Aguentem! Eu não vou porque tenho de ficar a tomar conta do tasco! Vai tu Lena, com estes desavergonhados a pedir e envergonhados para comer!
A Lena à frente, os três atrás; a ordem de entrada na casa aberta; a cozinha antiga, tradicional e confortavelmente pobre; o pai, já de idade, à lareira, a mãe, a evitar a visita, de saída com o cântaro para a mina.
O ti Esquim: - sentem-se à vontade!... a Lena já sabe o que a casa gasta!... de onde são?... conheço!... o Manel Rá ainda é vivo? a filha de hospitalidade igual ao pai; o aguamento à presença do toucinho já no prato – nessa altura eu ainda pensava que o colesterol era uma tinta para tratamento de madeiras – o palhete a brilhar no jarro; o primeiro copo; está tudo muito bom!... boa pinga!... o segundo copo, a conversa; o terceiro copo, o à vontade; o quarto copo, a gargalhada; o quinto copo, a festa.
- Trago aqui água! Parece que é coisa que não é precisa por aqui!?...
O regresso à compostura, a tia Etelvina a entrar aos poucos nas piadas e eu com uma minha:
- Sabe, eu tenho um problema, não posso casar! Já pensei nisso mas desisto sempre, não posso, gosto das raparigas todas!
E passados anos, de vez enquando, lá surgia esta à mesa:
- Eu não me esquece, a primeira vez que entraste aqui, disseste que não podias casar porque gostavas das raparigas todas!
- Mas a sua filha é diferente, tem um sinal na cara!
E já lá vão uns anos, a ti Etelvina e o ti Esquim no Céu, esta história singela a querer justificar-se com o S. Valentim, mas não é nada disso, é mesmo casamento!
29 comentários:
Pata Negra
Tu és giríssimo a contar estas histórias que espelham a autenticidade de um povo que, actualmente, está a perder as raízes e as referências.
Amanhã, dia 14 haverá uma postagem colectiva, de iniciativa do blog LUZ DE LUMA em defesa da inocência e contra a pedofilia. Se quiseres aderir copia a imagem que está no post de hoje no Silêncio Culpado.
No blog solidário Sol Poente http://o-sol-poente.blogspot.com, publiquei hoje uma reportagem do jornal Noticias da Manhã/Primeiro de Janeiro com o nosso amigo Raul do Sidadania.
Um abraço autêntico
Que maravilha de história.
E que bem escrita.
Dir-se-á que o amor a esse sinal ainda continua a inspirar-lhe engenho e arte.
Parabéns.
Feliz dia de São Valentim.
Um beijinho amigo
Maria
Pelos vistos o toucinho até nem lhe fez mal nenhum ao colestrol. O sinal é que acabou com aquela deixa, que dava (penso eu) muito jeito...
Cumps
Muito bom!
Abraço.
A gente genuína do nosso Povo merece que haja escritores com estro literário para lhe cantar a simplicidade e sinceridade. E este post mostra que os há e sublimes. Parabéns Pata Negra.
Abraço
Do Miradouro
Muito bem contada a historia, gosto deste tipo de conto, muito bem...
... pois então que hoje, em sinal de memória e recordação dos tempos juvenis e campestres, é comer um naco de toucinho e aproveitar para namorar um bocado ... sempre ouvi dizer que recordar também é viver!
Pata, enquanto te lia, só me vinha à mente o tempo feliz, nove meses, que passei em Cuba, Beja, Alentejo.
As pessoas e os comes. A caça viva e a caça morta no prato, ainda com os chumbos dos disparos. No ano em que eu não saía da Casa do Sporting de Cuba, o Sporting foi finalmente campeão, ao fim de quase vinte anos, para meu desgosto e complacência com aquele teu bom povo, tão meu também. As alcunhas lá, tão poéticas e sintético-satírico-descritivas, deveriam ser elevadas a Património Mundial!
Quando ao amor e ao casamento, muito bela a tua história! O vinho enfeitiça! Há sempre uma mulher que entra cá dentro mais que todas as outras, de quem tanto gostamos, e podiam vir todas à experiência que só aquela é que é.
Um abrasivo abraço e uma dentada Palavrossauriana!
PALAVROSSAVRVS REX
inesperadamente original como me vou apercebendo... gosto do estilo.
fiquei a ler.
encantada.
solto.
vivo.
mordaz.
e terno.
beijo.
Gosto. Bom estilo.
Também gosto do ambiente e do convívio.
Boa escrita, amigo Rato, boa escrita.
Um abraço cheirando a toucinho
Francamente envolvente este conto!
Parabéns!
E um abraço.
Ainda há gente a saber escrever em Portugal.
Jorge G.
Sei que estou a repetir-me, mas não é demais enaltecer as qualidades narrativas de Sua Majestade que este texto vem confirmar. Estou certo que, a propósito do “Dia dos (E)Namorados”, a Consorte (e com sorte!) lhe deu mais valor do que ao Chanel 5 com que a presenteou.
Alberto Cardoso
Pata Negra, Pata Negra
que bem que sabes escrever,
és melhor que eu a rimar
pois sabes melhor dizer.
Pata Negra, Pata Negra
tenho o toucinho no pão
para comer à merenda
da nossa revolução.
Pata Negra, Pata Negra
que bem que sabes escrever
temos que nos revoltar
p´ro S.Valentim merecer.
Eh pessoal, o Chanel foi comprado na feira de Carcavelos, o preciso local onde o nosso JET 7 vai comprar as roupas de MARCA que vestem quando vão comer os croquetes e os pasteis de bacalhau nas festas de beneficência a que, humildemente, se sujeitam ir ( e à custa das quais ainda não morreram de fome).
Alberto Cardoso
Estimados visitantes, não tenho cumprido um propósito ido, de devida educação e prazer sentido, de responder aos vossos sempre agradáveis comentários, raramente a disponibilidade e a disposição dão para tanto. Vou, no entanto, tentar estabelecer um critério: dar a resposta aos que respeitosamente se me dirigem
com o justo tratamento de "Magestade".
Começo já: o sr. Alberto Cardoso abusa da minha humilde condição de servo-rei, pensa que eu não sei o que é o chanel 5? Tenho um vizinho que tem uma parabólica e já tive a oportunidade de observar a depravação que eles transmitem, é só truca, truca e amor viste-lo!
A minha santa Teresinha já foi presenteada com o seu/este Menino, cá em casa não existem esses hábitos burgueses de encher com gestos de calendário os bolsos do Belmiro, ficamos satisfeitos com um beijo e, quem sabe, umas massagens no toucinho.
Um abraço a todos e até para o ano
Majestade
Que bem que escreve Majestade. E esta do sinalzinho fazer a diferença na escolha é mesmo uma coisa especial.
Uma vénia, Majestade
Louise
(em primeiro lugar obrigado por me fazeres reparar que escrevi majestade com g - que erro imperdoável!)
Claro que um sinal é sempre um sinal sobretudo para quem está atento aos sinais que a vida nos vai dando.
Um abraço assinalado
Sua Magestade, perdão, Majastede, digo, Majestade, irra!, não leu o meu segundo comentário que foi intercalado do primeiro por um inoportuno comentador (que se atreve a tratar Sua Magestade, gaita!, MAJESTADE por Pata Negra, que desconsideração). Se Sua Magestade tives, perdão, Sua MAJESTADE bolas!, tivesse lido o segundo comentário perceberia que eu não estava a falar de um qualquer chanel mas sim de um chanel que só se vende na feira de Carcavelos e afins. Logo eu não pretendia ofender Sua Ma,Ma,Ma, digo, Sua Alteza Real.
Alberto Cardoso
Majestade!
Com sinal ou sem sinal, com toucinho ou sem toucinho um belo dia de namorados.
Majestade
Pasmo como é que um rei conhece tão bem a alma do povo. Desde os dizeres, aos pensamentos, aos valores e à forma de convivência, Sua Majestade sabe tudo.
E tem habilidade para escrever.
Uma bicada da Cuca
Não fosse o toucinho, o reino não teria raínha e a majestade seria súbdito.
Saudações do Marreta.
Pé de salsa
Por sinal foi um bom dia e por sinal comi toucinho.
Igualmente e obrigado
Cuca
Mal do rei que não conhece o seu povo, mais tarde ou mais cedo acabará a fazer figura de Cavaco ou de Soares!
Um beijo da mão real
Marreta
Não há reis solteiros!
Saudações marretas
Pois Majestade,
Gostei muito deste conto, o que não é muito habitual em mim, confesso. Mas a forma como está escrito, muito bem escrito... não é todos os dias que temos, os que gostamos da nossa língua, um naco de prosa como este.
Parabéns pelo fim do conto e para quem conta o conto.
Um abraço
Pata Negra, tens um dom. Parece-me que o sabes preservar lindamente.
Obrigada por tudo,
M.
Afinal, Pata Negra, sabes literatura, O conto está muito bom.
Parabéns
Um abraço
Compadre Alentejano
Meg
Gostaste o fim do conto? O conto ainda nem sequer começou!
Um abraço e conto
Adoro estas tuas histórias que misturam literatura com realidade. És óptimo a conseguir fundir as duas.
Ainda não entendi se o leitão vai estar em corpo presente ou se é só uma miragem...
Bjos
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