quinta-feira, 27 de março de 2008

Arraial?!

Ainda não refeito mas não desfeito, deixo a minha coluna na gazeta da Terrinha a propósito da festa que tem justificado a minha ausência. Todas as terras continuam a ter festa e todos os que têm terra continuam a viver a sua festa - eu vivo a minha.
Receio que a prosa do artigo, pelo facto de se dirigir a actores do episódio e leitores do pasquim local, não chegue da melhor forma ao vosso entendimento, mas entendo que se lhe desse gás com enquadramentos me estendesse demais e que, traindo o original, ficássemos todos traídos: o Judas escriba e o leitor de fora.
Posto isto, postemos o título:

Fomos Presidenteados...

2ª Feira da Páscoa; uma e picos; uma macheia de povo no recinto dos festejos; os fatos novos denunciam o uso do Domingo de Aleluia; crianças incham as bochechas com amêndoas; estão entre todos alguns da Junta e os da Associação; paira no ar um estado de ansiedade; dois rapazolas gracejam:
- A minha avó não veio porque este não diz missa!
- E o meu avô não vem porque este não se corre à frente dele, gosta é da garraiada!
- Ele aí vem! - alertou alguém
- Manel olha os foguetes!
E vai de salva de tiros e gaiteiros tocando que a importância dos anunciados não é para menos! Do BMW azul-escuro sai um bem parecido, de fato azul-escuro e sapato lustroso. Inclina a cabeça e olha-se de alto a abaixo - não vá o diabo tecê-las e uma nódoa ou braguilha mal abotoada lhe manchem o dia ou envergonhem a imagem - acomoda o nó da gravata e mãos à obra lá vai ele distribuir bacalhau aos mais chegados.
- É ele, é o da Câmara e a sua comitiva!
Apertar a mão aos da Câmara satisfaz o ego e é de aproveitar porque o conhecimento pode ser meio caminho andado para futuramente resolver um problema de licenças ou conseguir umas manilhas para uma serventia. Por isso, também eu me fiz ao aperto e pude apreciar quão diferentes são as mãos macias daquelas que eu calejo!
Os cicerones da Associação mostram os últimos melhoramentos, o da Câmara vai dizendo "sins senhores" e os seus “comitativos” acompanham com acenos de cabeça. Por detrás, o rol de gente estica os pés e o pescoço para averiguar diálogos e tentar a sorte numa fotografia. Depois vai-se ao carneiro com batatas, que a hora é certa. Pode ser que o embaraço da boca cheia lhes faça descair a cabeça com mais alguma coisa cá prá terra que esta malta da Terrinha quando está a comer é quando pede mais.

Nada incomoda que estes senhores constituam uma atracção da festa; assiste-lhes o direito de virem onde são convidados; cabe-lhes o dever democrático de conhecer as populações; admiram-se-lhes as qualidades de saberem estar entre os que os elegem. Não se pode cair é no simplismo de julgar que se lhes deve o seu dever. Eles não nos dão nada: propagandearam as suas caras em cartazes, listaram promessas, pediram-nos o voto e agora estão lá no sítio onde se gerem as coisas públicas cujos fins próximos são as melhorias das nossas condições de vida - o seu dever não é dar mas sim distribuir.
Temos evoluído muito. As terras vizinhas têm assimilado as nossas inovações e têm-nos imitado o programa: primeiro a corrida de frangos e a de sacos, depois a de burros, a de vacas, a de motas, a de carros. Por incapacidade técnica ou por falta de vocação celeste afim à alma nunca nos imitaram nas largadas de balões - somos a NASA dos balões de ar quente!
Continuemos a correr, corramos sempre, mas nunca atrás de alguém por indigência ou à frente de outrem com desdém. Estamos em dívida para com todos os que vieram à nossa festa mas não devemos nada a ninguém.

10 comentários:

AJB - martelo disse...

muito a propósito das vivências e das "qualidades" inatas das "natas"...

abç

Oliva verde disse...

Esquecem-se tão facilmente de que não lhes devemos nada, não é?
Serviço ou poder? saberão a diferença?

Zé Povinho disse...

Os ilustres convidados semeiam para depois vir colher, os votos evidentemente. Como era dia de festa, ninguém se importa muito, e até são bem recebidos, o pior mesmo, é quando se esquecem que nós existimos.
Abraço do Zé

Abrenúncio disse...

Compreendo perfeitamente estas festividades. Esqueceste o vigário, ou foi propositado?
Nestes forróbodós religiosos sempre houve uma coisa que nunca consegui fazer: meter os beiços nos pés da cruz, depois dela ter sido lambuzada por várias amostras de muco salival. Nos copos de tinto ainda vá lá.
Saudações do Marreta.

Anónimo disse...

Viva a festa na nossa aldeia. Sim porque a aldeia é de todos e de nenhuns.
Então S. Alteza foi ao "beija-mão". Não se estará a por a carroça à frente dos bois.
Um abraço amigo.

Anónimo disse...

Majestade.
Fico surpreso por terdes entendido a vossa Real mão a um plebeu. Estais porventura a necessitar de umas manilhazitas ou, quiçá, de um fontenário para alegrar os Reais jardins do Palácio?
E desce um Rei do alto do seu trono para poupar uma moedas…
Alberto Cardoso

Pata Negra disse...

Martelo
p�scoa, ovos, martelar ovos, natas, bolos ... tu �s um guloso!
Um abra�o com pregos

Oliva
Nem servi�o nem poder, apenas ego e vaidade!
Um abra�o da junta

Z�
Poder local? Sim, poder sobre os locais. O meu sonho � um dia vir a ser presidente de junta desde que n�o seja obrigado a falar com presidentes de c�mara.
Um abra�o bordalo

Pata Negra disse...

Marreta, esta festa tem história! Nunca por lá andou padre e nos anos quarenta o vigário chegou mesmo a excomungar a família que deu espaço ao recinto do bailarico. Só que há meia dúzia de anos, sinal dos tempos, uns mordomos lembraram-se da missa campal, mais uma linha no programa de festas! Que hei-de eu fazer se não ir à abertura da quermesse, à chegada dos gaiteiros, à prova de atletismo, visitar as propriedades e voltar no fim da benção?
Ainda assim, é uma festa pagã com origem numas merendeiras e nos mancebos da inspecção!
Um abraço sem abade

Compadre Alentejano disse...

A festa da nossa aldeia é sempre a maior. Vale a pena perder uns minutos e prosseguir com a tradição, embora já não seja o que era...
Não gosto de apertar a mão do poder. Está demasiado suja e pode conspurcar a minha...
Um abraço
Compadre Alentejano

Pata Negra disse...

Pé de Salsa
Alberto Cardoso
Um Rei de Leittões não se denuncia perante um simples presidente de câmara: esconde a coroa atrás das costas, cumprimenta-o e depois escreve de sua justiça. Não gosto de favas, de bmw.s, de fatos azuis, de socialistas nem de presidentes de câmara! São estes os desgostos que me distinguem.