quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Quarto 2

(Se não leu o Quarto 1 este quarto não faz sentido)A casa ficava num bairro social dos anos cinquenta mas o crescimento da cidade tinha-a envolvido a ponto do seu valor se tornar de classe média para cima; era uma das do meio dum conjunto de quatro, tinha um pequeno jardim à frente e um pequeno quintal atrás, tinha uma sala, uma cozinha e uma casa de banho no rés-do-chão e, no primeiro andar, três quartos com as três portas juntas no patamar do cimo da escada. O quarto da dona Graça dava para a frente e ocupava tanta área como os outros dois - um das filhas e o outro dos hóspedes - que davam para as traseiras.
À medida que o meu companheiro de quarto se foi afastando da vida da casa eu fui-me tornando cada vez mais da casa. Dona Graça arranjou emprego, como cozinheira, num conhecido restaurante da zona e tentava arranjar um companheiro que lhe compusesse a família.
Noite dentro, a senhoria bateu-me à porta do quarto e chamou-me ao dela para que o Zé Maria quando chegasse, como sempre fora de horas, não interrompesse a conversa a que me chamava. Sentámo-nos na beira da cama e passou-me às mãos uma revista feminina, aberta nas páginas daqueles anúncios em que as pessoas sós tentam encontrar parceiros para troca de amizade e mais não sei o quê. O escolhido, de seu nome Virgolino, estava detido no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira e procurava uma mulher com alma.
- Ora essa, dona Graça! Se quer alma encontra em si a porta certa!
- Precisava da tua ajuda, João, para me escreveres a carta! Como sabes assino o nome e pouco mais!...
Deu-me um bloco e uma caneta e começou a ditar-me, com palavras curtas, a sua vida e a sua alma, pedindo-me ajuda aqui e acolá na forma ou no conteúdo. A cumplicidade prolongou-se além da carta em contactos e afectos que denunciavam carências mútuas e punham em contraste a minha pouca experiência e a sabedoria da senhora da minha casa. Senhora de corpo abastado de cozinheira negra, de suor africano, de – só de lembrar-me!
- Que isto não seja entendido como pagamento!
Devem ter sido das únicas palavras que se interpuseram por qualquer um de nós. Acordei de madrugada, passei-me para o meu quarto e adormeci novamente. O Zé Maria ainda acordou e resmungou:
- Que é esta merda?! Isto são horas de chegar a casa? Andas a ficar mais moina que eu ou quê?!
O presidiário respondeu e estas cartas repetiram-se durante dois ou três meses, à razão de uma por semana e, no dia seguinte, eu nunca ia às aulas.

Na próxima quarta há mais Quarto

19 comentários:

Archeogamer disse...

Realmente, não me fez sentido, lol...

Anónimo disse...

Cá fico à espera.
Cool!

Tiago R Cardoso disse...

Muito bem, gosto da tua escrita, excelente.

José Lopes disse...

Li o primeiro, e agora o segundo, pelo que fico à espera de mais para avaliar bem o que resultou do binómio sabedoria e e inexperiência.
Cumps

Zorze disse...

Nestas situações peço sempre um bló-bló.
Desculpa a buba, não perdoa.

Abraço,
Zorze

Anónimo disse...

Gosto desta série sobre o quarto.

O João Rato revela-se (episódios da adolescência tardia, com uns pozinhos de erotismo) e fá-lo em grande estilo.

O melhor elogio que posso fazer é que me apetecia, neste momento,ler o quarto 3.

Zerui

Camolas disse...

Morro de saudades desses tempos , neste cinzento que me habita.

joshua disse...

A quantas delícias iniciáticas nos não leva a carência de uma mulher ardente, ó Rato!

É quando o quarto se nos torna tão centésimo e milionésimo, inútil a escola, perdidos no pasmo do pensamento, gratos ao Presídio! «Que isto não seja entendido como pagamento», mas como cobrança que o prazer é a cobra da palavra sibilante que nos convoca e nos enrosca.

Abraço na Memória

PALAVROSSAVRVS REX

Zé Povinho disse...

O Zé Maria ficou sempre a Leste destas andanças? Vou tentar saber nas cenas dos próximos capítulos...
Abraço do Zé

AJB - martelo disse...

passei pelos dois quartos e espero na sala de estar...

Anónimo disse...

E, se bem se lembram, o nosso caro amigo João Rato encarou a possibilidade de ir para padre.
Bom, hoje já seria cardeal pela certa. Com um curriculum destes...
Alberto Cardoso

Compadre Alentejano disse...

Estou acompanhando com todo o interesse...
Um abraço
Compadre Alentejano

Anónimo disse...

:)

Pata Negra disse...

Os vossos comentários literária, são como uma esmola, cada um dá o que quer.
Tão cedo não vos vereis livres destes quarto - pacatas histórias à espera duns patacos!
Um abraço ao odysseus, ao salvoconduto, ao tiago, ao guardião, ao zorze, ao anónimo,ao camolas, ao joshua, ao zé povinho, ao martelo, ao alberto, ao compadre, á morie...
sem vós eu não teria este quarto!

Jorge Borges disse...

Magnífico! Paciência... Lá terei que esperar até próxima quarta-feira, cheio de expectativa. Literária? Na Real?

Força! Dá-lhe nas teclas! (Qu'é isso qu'elas estão a pedir!)

Um grande abraço deste teu amigo e companheiro de luta

Anónimo disse...

E esta?
Na sondagem para o Diário Económico e TSF, conhecida hoje, o PSD alcança 47,1% de intenções de voto enquanto o PS, já liderado por António José Seguro, cai dos 30,1% (início de Junho) para os 23,3% - o resultado mais baixo desde Setembro de 2007. O CDS caiu de 9,7% em Junho (teve 11,7% nas eleições de 5 de Junho) para apenas 4% em Setembro. Ainda assim, se olharmos para o peso eleitoral da coligação PSD/CDS, partidos que representam o centro-direita, este se mantenha acima dos 50% das intenções de voto. À esquerda do PS, a CDU segura o seu eleitorado e, perante o crescimento do centro-direita, mantém-se nos 7%, superando em mais do dobro o Bloco de Esquerda que nas últimas eleições legislativas tinha alcançado (só) 5% dos votos que, agora, em Setembro, caem para praticamente metade desse valor - apenas 2,7%.

Zé Povinho disse...

Já nem me recordava do comentário anterior, por isso só me resta continuar a vir ao quarto.
Abraço do Zé

samuel disse...

Venha então o terceiro quarto... :-)

Abraço.

do Zambujal disse...

É pá!...
Isto é mesmo munta bom (é como a dona Graça devia ser...). E olha que sou um gajo com leituras, não é para me gabar...

Grande abraço