quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Quarto 4

(Se não leu o Quarto 1 nem o Quarto 2, nem o Quarto 3, este quarto não faz sentido)

Por volta do meio-dia, desci as escadas para tratar da higiene da manhã. A família do Norte estava já de partida. Virgolino ficava, claro! Com a cara e o abotoamento do pijama testemunhando a noitada passada entre excessos, despedi-me e, por motivos óbvios, fui o único que não os acompanhou à rua. Segundos depois, a solteirinha de Fafe voltou a entrar a porta entreaberta, com ar de quem se justificou por esquecimento de pequeno pertence, abeira-se-me na entrada da casa de banho e, assim, sem mais nem menos e sem palavra alguma, espeta-me um beijo na boca como quem diz: também estou com hálito de ressaca, saindo de imediato, com o ar apressado com que entrou. Andei todo o dia com um sabor de boca, não sabendo se era meu se dela, contente por mim e descontente por ela, descontente comigo e contente por ela e sabendo que aquilo não fora caso para esquecer nem para lembrar.

Na noite seguinte não consegui estudar nem dormir, os sons que vinham do quarto grande eram de tal frequência e intensidade que ora me incomodavam, ora me faziam encostar os ouvidos à parede. Não que tivesse ciúmes ou inveja mas porra! Um homem não é de pau!
Dona graça era um poço sem fundo no que toca aos prazeres da carne, absorvia todas as lavas sem nunca se encher. Virgolino desinchava da abstinência do período em que cumpriu a pena. Por duas vezes ouvi os passos da amante descer as escadas e, minutos depois, os mesmos passos subindo, acompanhados pelo ritmo do que imaginei ser o som duma colher batendo numa tigela a fazer gemadas, talvez uma cerveja a acompanhar e não só, uma vez ouvi mesmo o tiro da rolha de uma garrafa de espumante e o tilintar de copos.
Deitei-me várias vezes com a cabeça debaixo das mantas mas dormir está quieto! Poderia até ser sinal de desrespeito e desprezo adormecer perante um acontecimento oculto que não podia ver mas do qual, de certa forma, eu fazia parte. Levantava-me, sentava-me frente à mesa de estudo tentando estudar álgebra mas nem uma simples matriz conseguia inverter nem que fosse durante os, cada vez mais frequentes, intervalos de silêncio.
Apesar de tudo sentia-me contente pelos dois e, curiosamente, não me afectava o facto de, possivelmente, não existirem mais cartas para escrever - a não ser que o Virgolino pusesse outra vez a boca na botija e fosse cumprir mais uns meses!...
Claro que, nos meses anteriores, cheguei a imaginar-me companheiro de uma negra, com duas enteadonas mulatas, a passear na baixa, ou melhor, se calhar isso até chegou a acontecer sem eu dar por isso! De qualquer forma Dona Graça era bem mais velha que eu, mais responsável nas grandes opções da vida e, se optou pelo Virgolino, não deve ter sido só por qualidades de performance sexual! Aliás, eu também lhe dava um jeito, ou não estivesse no vigor dos meus vinte e um anos.
Zé Maria deve ter chegado de madrugada. No dia seguinte faltei às aulas.
(Na próxima quarta há mais Quarto)

16 comentários:

José Lopes disse...

Pelos vistos ainda deu para passar pelas brasas, talvez porque os sons tenham diminuido de intensidade.
Cumps

Anónimo disse...

Que raio de feitio ouvir à parede.
Tá bem tá, um homem não é de pau. Então porque não te afinfaste à a solteirinha de Fafe?
E vê se te cuidas, da outra vez faltaste à frequência agora às aulas...Juízo na cabeça e conta-me o resto para a semana.

Compadre Alentejano disse...

Isto até dava uma telenovela. Estou curiosos pelas cenas dos próximos capítulos...
Um abraço
Compadre Alentejano

joshua disse...

Virgolino tinha um olhar malicioso e puro ao dar descanso à sua fome: ancas que dançam, pernas que se abrem e se erguem quando o entrar macho é uma vontade angular de 95º a apontar a noroeste.

Graça estava pronta para a abundância natural porque os momentos muito antecipados dão numa fartura de voluntariado, de euforia generosa, de espumosa insaciabilidade grata.

Nessa noite, tu, Rato, foste de pau e um pau foste. Eu, no teu lugar ou no teu pijama com ou sem a idade fácil e inexperiente, também seria de pau porque ser e estar e ter de pau perante tal tambor percutindo na imaginação é a mesma e indistinta coisa.

PALAVROSSAVRVS REX

Anónimo disse...

Concordo com o "salvoconduto" que me antecedeu: porque raio não te foste à solteirinha de Fafe? Porque ela também terá ouvido os gemidos (e as gemadas!) e esperava que tu, que ela sabia não seres de pau, aparecesses para, «desculpe lá, posso ver se deixei aqui a minha esferográfica?»
Terias faltado às aulas do dia seguinte mas evitarias essas dores danadas que nos dão aos vinte anos quando não conseguimos, digamos, expressar, expelir, expulsar o que nos vai na alma (e no corpo!)
Vou aguardar, expectante, pelos próximos quartos.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Essa de tu seres companheiro de uma negra, muito mais velha, com duas enteadonas mulatas, a passear na baixa (ainda não havia centros comerciais)... Gostei. E já agora com fato de treino e ténis e umas raquetas bordadas nas meias brancas.Eheheheheeheheehe
Abraço divertido

Abrenúncio disse...

Fónix, vou ter que ler o T3 do princípio. Volto com mais tempo que agora estou a produzir a bem da nação.
Saudações do Marreta.

Meg disse...

Pata Negra,
Voltei às visitas! Tenho mais tempo!
E como tenho de ler os capítulos anteriores, que me parecem aliciantes, hoje só te deixo um abraço.
Voltarei pela madrugada, que agora dei em noctívaga.
Um abraço, já são dois...

AJB - martelo disse...

o quarto que se segue!
muito interessante e suponho que a solteirinha...

Anónimo disse...

Pata Negra,
Já que um homem não é de pau, arreia-lhe.

Anónimo disse...

Estou curioso por ler os próximos capítulos dessas histórias pecaminosas...
Li transversalmente mas prometo voltar para ler e respigar.
Gostei de aqui chegae.

Camolas disse...

vamos a caminho da morte porque deixámos de escrever cartas para as pretinhas. "Trocámos a estrada pela estereofonia", ou pela internet e pelos blogs??
Manda os blogs à fava, vai beber copos para o bar da esquina , aluga o quarto mais barato que existir na rua das pretas.

Anónimo disse...

PORRA!!!
Este camolas é muito pior do que para aí dizem.
Que falta de nível!
Que fulano mais primário!
Olhem que nem deu as boas noites!
Ao que nós estamos sujeitos...
Sinais dos tempos.

Oliva verde disse...

Há alturas em que é muito difícil manter a concentração! Dormir? Qual o quê!
Com tal companhia, acabar o curso só pode ter sido uma enorme proeza!
Continuarei, atenta, à espera do quinto!
Um abraço

José Lopes disse...

Grande Virgolino!
Cumps

Anónimo disse...

Ali, com os ais do quarto do lado e sem parceira, lá tiveste que dar à manivela...