quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Quarto 6

(Se não leu o Quarto 1, o Quarto 2, o Quarto 3, o Quarto 4, o Quarto 5, este quarto não faz sentido)
É muito giro percorrer e conhecer a noite da cidade mas não é fácil, diria mesmo, é muito incómodo, andar num carro roubado mesmo que sob o comando dum profissional do ramo.
- São cinco da manhã ó Lino, amanhã tenho exame! Vamos para casa!
- Exame a quê? O teu fígado está como novo! Às oito da manhã o rally de Portugal passa na Lousã, temos carro, ainda tem pitrol, que queres mais? Queres conduzir tu?
- Isso é que não!... Além disso, esqueceste-te de um pormenor! - disse eu esfregando o polegar no indicador.
- És meu amigo? Confias em mim?
- Hum! Sim!
- Então vamos!
O rally começou ali. O acelerador, os travões, as curvas e o meu coração não tiveram descanso enquanto não vi a placa de localidade da Lousã. Levei sempre os pés fixados na parte vertical do chão junto ao tapete, as mãos no tablier e pensei repetidamente:
- Mãezinha nunca mais te vejo!
Chegámos e estacionámos o carro na zona da enchente. Nas ruas e nas estradas caminhavam milhares de jovens, a pé, cujos rostos denunciavam também a directa: da discoteca para o rally. A caminho da serra passámos por tascas improvisadas de português que aproveita a oportunidade sem lei: café de cafeteira, leite a sair da vaca, cervejas, tinto, bifanas, pão com manteiga, feijoada… os estômagos e a hora eram para tudo. Parámos numa que tinha muita gente à espera.
- A minha mãe ensinou-me que onde há muito freguês é porque é melhor! - disse-me o companheiro já de dedo no ar para o tasqueiro:
- Duas bifanas e duas cervejas para aqui, se faz favor!
Fiquei na retaguarda e, minutos depois, já tinha nas mãos o mata-bicho.
- Como é que pagaste?
- Não te importes! Se vier alguém atrás de nós direi: pensava que era à borla!
Subimos dois ou três quilómetros serra acima, vimos os carros a passar depressa – Michelle Mouton era a primeira – e, quando, de regresso, nos aproximámos do campo onde tínhamos o carro que não era nosso, Virgolino segredou-me:
- Temos problema! Olha a bófia! Não olhes para mais nada a não ser para as garinas!
Topei que o veículo estava debaixo de olho. Provavelmente tinham encontrado a matrícula de um carro roubado durante a noite.
- E agora?
- E agora? Há por aqui tantos! Não te atrapalhes que não vamos para casa a pé!
- Nem uma coisa nem outra! Vamos de comboio!
- Por acaso o menino bem comportado e teso quer viajar de comboio sem bilhete?
- És meu amigo? Confias em mim?
A sensibilidade do assaltante não resistiu à minha segurança e respondeu:
- Tá bem meu! Tás com aúfa? Desta vez mandas tu!
O comboio ia cheio de malta universitária. De pé, estendidos no chão, nas prateleiras da bagagem, viajavam rapazes e raparigas com ar de marrões e de ressaca de bebedeira rara. Percebi logo que dificilmente o revisor faria o seu serviço. Sentámo-nos no chão, um ao lado do outro, e adormeci com a cabeça no ombro do meu parceiro da noite inesquecível!
Não cheguei a horas de ir ao exame.
(Na próxima quarta há mais Quarto)

14 comentários:

joshua disse...

Nesse ano é impossível que tenhas estudado.

PALAVROSSAVRVS REX

Anónimo disse...

Cagões, e pra quê, pra quê, pra faltares ao exame?
Espero que na próxima quarta estejas recuperado.

José Lopes disse...

A aventura, o pisar do risco, e as consequências. A juventude tem destes episódios de onde se podem retirar ensinamentos.
Cumps

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Estes episódios também nos ajudam a crescer. Em redomas douradas não ficamos resistentes nem aprendemos a conhecer como joga um certo lado da vida.
Aguardo o próximo episódio.

Abraço

sol poente disse...

Majestade

Mas afinal vossa Majestade é de que reino?

Abraço cuidadoso (não vá ser roubado).

Oliva verde disse...

O mal era haver exames "à quinta"!!!!rsrsrs

Compadre Alentejano disse...

Estou a gostar, mas é pena teres faltado ao exame...
Um abraço
Compadre Alentejano

Anónimo disse...

Tenho vindo a acompanhar esta história dos quartos e se querem a minha opinião este gajo anda a inventar anda o gozar com o pessoal é tudo mentira, se calhar o tipo nunca estudou em Coimbra. Como é que se pode ser Doutor se não vamos às aulas, não fazemos exames e coisa e tal? E o colega que se embedava todos os dias tambem é Doctor? Não me lixem. É tudo tretas.

AJB - martelo disse...

todos tivémos grandes companhias na juventude, mas o Lino era especialista...

MARIA disse...

Olá Majestade, entro sempre muito devagar , pé ante pé, neste seu quarto.
São vivências deliciosamente contadas, com a sua arte, com o seu traço tão característico e inegualável.
Deixam ficar no leitor aquele sabor malandro de quem espreita "quase em pecado" a
" intimidade " dos outros. Perigo ...é apanhar algum susto...
Parabéns, ainda não perdi um único quarto : absolutamente encantador !
Um beijinho amigo
Maria

José Lopes disse...

Um pouco de aventura faz parte do crescimento
Cumps

do Zambujal disse...

As ficções (e as fricções) da realidade.
Boa, pá!

maceta disse...

chumbaste ?

abraço

MARIA disse...

Ai Majestade ... monarca bom que se farta, hás-de estar ciente da realidade que à sua vida falta.

Veja quanto aprendeu ...


um beijinho amigo