Canicha era mulher de várias fraquezas, disfarçadas ou vencidas pelo rosto duro, pela pele seca e rija, pelo andar despachado com que movimentava o seu corpo franzino.
Para um filho único mimado, bem colocado e na idade do desejo, como o filho do Senhor António, ela, agora viúva, apresentava-se como uma presa fácil. Enganou-se o menino. Abordagem após abordagem, Canicha, sem perder a frágil compostura, porventura intimidada pelo posto do investidor, não cedeu nem um passar de mãos, fiel ao luto ou fiel a si mesma, ciente de que tudo não passava de um abuso resultante da diferença de posições.
Com o devido respeito ia pondo tampas no rapaz, até que um dia uma tampa saltou e zás! Canicha foi agredida, acusada de não sei quê! Se a fábrica que tinha olhos por todos os recantos e há muito tempo via alguma coisa entre os dois, desta vez ouviu e ouviu bem:
- Putassa bebâda que nem tens onde cair morta! Não penses que me tentas! Eu sou um homem honrado e temente a Deus! Querias ter um filho rico?!
E, entre ofensas deste calibre, os ouvidos estenderam-se a olhos que espreitaram por entre postigos, esquinas, tubos e barris. Canicha, despachada, a desaparecer, deixando o riquito de tomates a abanar com o seu mau perder.
O episódio foi do conhecimento do senhor António. Como patrão, conhecia suficientemente o carácter de Canicha para poder concluir que ela tinha sido injustamente tratada pelo seu filho. Como pai e como homem, compreendia o filho que não teria, pela vida pacata que levava, grandes oportunidades de molhar o prego - suspeitava até que o rapaz nunca experimentara! Ora, perante o acontecido, era certo e sabido que todo o lugar pensava como ele o que, sendo bom para Canicha, não seria bom para a reputação do rapaz, quer como seu filho, quer como homem que o deveria ser por inteiro.
Veio-lhe então uma ideia. Se falasse com Laurinda, a coisa bem falada, naqueles momentos abertos de fim de acto de romance, podia ser que desse... Ela convenceria a irmã a levar por diante o plano do Senhor António, pediria perdão ao rapaz e permitir-lhe-ia a satisfação das suas carnes. Em troca, seria recompensada com um prémio irrecusável. O rapaz não poderia saber de nada.
- Nunca seria capaz de falar uma coisa dessas com a minha irmã! Se quiser, diga-lho você, senhor António! Olhe uma ocasião:
Temos de ir à Vila tratar dos papéis da morte do meu falecido cunhado. Bem que o senhor nos podia ajudar, precisamos de quem nos leve, de quem saiba ler, escrever e, sobretudo, de quem compreenda o que os escrivães dizem e querem!
Daria boleia às duas, Laurinda e Canicha, mas era bom que não se soubesse – sabe-se como é a voz do povo! Por isso, embarcariam e desembarcariam em lugar longe de olhares.
Para um filho único mimado, bem colocado e na idade do desejo, como o filho do Senhor António, ela, agora viúva, apresentava-se como uma presa fácil. Enganou-se o menino. Abordagem após abordagem, Canicha, sem perder a frágil compostura, porventura intimidada pelo posto do investidor, não cedeu nem um passar de mãos, fiel ao luto ou fiel a si mesma, ciente de que tudo não passava de um abuso resultante da diferença de posições.
Com o devido respeito ia pondo tampas no rapaz, até que um dia uma tampa saltou e zás! Canicha foi agredida, acusada de não sei quê! Se a fábrica que tinha olhos por todos os recantos e há muito tempo via alguma coisa entre os dois, desta vez ouviu e ouviu bem:
- Putassa bebâda que nem tens onde cair morta! Não penses que me tentas! Eu sou um homem honrado e temente a Deus! Querias ter um filho rico?!
E, entre ofensas deste calibre, os ouvidos estenderam-se a olhos que espreitaram por entre postigos, esquinas, tubos e barris. Canicha, despachada, a desaparecer, deixando o riquito de tomates a abanar com o seu mau perder.
O episódio foi do conhecimento do senhor António. Como patrão, conhecia suficientemente o carácter de Canicha para poder concluir que ela tinha sido injustamente tratada pelo seu filho. Como pai e como homem, compreendia o filho que não teria, pela vida pacata que levava, grandes oportunidades de molhar o prego - suspeitava até que o rapaz nunca experimentara! Ora, perante o acontecido, era certo e sabido que todo o lugar pensava como ele o que, sendo bom para Canicha, não seria bom para a reputação do rapaz, quer como seu filho, quer como homem que o deveria ser por inteiro.
Veio-lhe então uma ideia. Se falasse com Laurinda, a coisa bem falada, naqueles momentos abertos de fim de acto de romance, podia ser que desse... Ela convenceria a irmã a levar por diante o plano do Senhor António, pediria perdão ao rapaz e permitir-lhe-ia a satisfação das suas carnes. Em troca, seria recompensada com um prémio irrecusável. O rapaz não poderia saber de nada.
- Nunca seria capaz de falar uma coisa dessas com a minha irmã! Se quiser, diga-lho você, senhor António! Olhe uma ocasião:
Temos de ir à Vila tratar dos papéis da morte do meu falecido cunhado. Bem que o senhor nos podia ajudar, precisamos de quem nos leve, de quem saiba ler, escrever e, sobretudo, de quem compreenda o que os escrivães dizem e querem!
Daria boleia às duas, Laurinda e Canicha, mas era bom que não se soubesse – sabe-se como é a voz do povo! Por isso, embarcariam e desembarcariam em lugar longe de olhares.
________________________________
Todas as Quartas há Fábricas
Para as ver todas pressione abaixo "Marcadores - A Fábrica
15 comentários:
Um pai protector do bom nome e da satisfação das carnes. Como acabará isto?
A Canicha lá sabia porque é que devia recusar o riquito, pelo menos por agora!
Cumps
Tavez pensasse que o riquito---por ser ainda rapaz teria um c***lho mais pequeno do que o do pai---e por tal não a satisfaria. Ehehehehe e viva a Canicha.
Então o filho do sr. António queria molhar na sopa? e o pai até paga...
Um abraço
Compadre Alentejano
Apanhei a Fábrica em andamento e sinto-me um pouco perdida neste enredo...
Parece-me "aliciante" e prometedor ... mas vou dar uma olhada aos "episódios anteriores".
Eu volto
Um abraço
Pata Negra
É envolvente a forma como escreves. Vê-se que entendes muito das realções entre pessoas de poder desiquilibrado e bolsas também.
Tantas são as histórias de Canichas, outras Canichas que serviram de gáudio aos patrões porque deles vinha o pão que as sustentava.
As histórias repetem-se ainda hoje.
Fico a aguardar os próximos episódios.
Abraço
Recuso-me a fazer aqui qualquer comentário enquanto não forem banidos comentadores ordinários que se acoitam atrás do anonimato. Eu até pensava que este blogue só era frequentado por gente de bem. Enganei-me e por isso suspiro por um qualquer sistema sensório, como havia antigamente, e que ponha estas pessoas na ordem. Infelizmente já não há Tarrafal mas Peniche, por exemplo, pode ser recuperado para os bons serviços que prestou ao país e endireitar esta gentalha. A bem da Nação.
Vasco
Esse lugar é um Mundo! Canicha a divindade. Jogo-me aos pés de Canicha!
Majestade,
Devia realmente editar um livro.
Compraria com muito gosto e ainda podia dizer que tinha qualquer coisa sua, ou seja de Marca Real.
:-)
Desta vez, além da beleza literária, da construção da história tão interessante, fez quase um ensaio psico-social sobre uma época e um Povo. Absolutamente fascinante.
O tema da história também se proporciona ao debate de ideias,aproveitando as mentalidades do tempo, da época, e a reflectir se nos nossos dias esse tipo de atitude ainda se verifica por parte de alguns homens relativamente a mulheres que estão por alguma forma vinculadas ao seu poder de autoridade, seja por motivo profissional ou outros.
Na verdade e lamentavelmente parece-me que ainda há quem não tendo capacidade para se fazer amar, entende que os afectos são passíveis de comércio.
Bom, dirá que não são afectos. É só carne. O problema é que essa carne não é como a vendida nos talhos, tem associada uma alma, sentimentos e sobretudo a Liberdade de quem por ser pessoa tem o direito a não se dar senão a quem quer de facto.
Pense no livro ...
Que tal colocarmos à votação um heterónomo para o Rei o publicar ?
:-)
Um beijinho sempre amigo da
Maria
Há por aí muito menino com mau perder, e alguns paizinhos que colocam a mão por baixo deles em assuntos para os quais não os prepararam. O João (antes de ser entronizado) não iria pelo mesmo caminho, embora talvez nutrisse a mesma atracção.
Abraço do Zé
António
Como acabará isto? Cheira-me que a tua história está com o mesmo problema!
Guardião
Tal como cada um sabe de si, a Canicha, também sabia...
Anónimo
Comentário desnecessário e brejeiro
Compadre
É a vida!...
Meg
Voltarás sempre e ´sabes que estás a vontade para poderes sentares-te!
Silêncio
Podem já não ser Canichas mas são ainda mulheres não completas de direito
Vasco Lameiras
Não activarei a moderação de comentários!
Camolas
Lava-me os pés!
Maria
Sempre e simplesmente Maria! Que gosto é, sempre, ouvir os teus comentários!
Um beijinho sempre, breve, mas amigo
Guardião
O João?! Eu?! O meu pai não tinha essa mão! Atracção!? Sempre senti!
É pena, é lamentável nos tempos que correm. Não se pode permitir que pessoas mal preparadas possam dizer disparates sem serem punidas por isso. A treta da ´liberdade de expressão´é altamente prejudicial para o normal funcionamento de qualquer país pois pode causar alarme social que perturba as pessoas e nada de bom trás aos patrões, esses sim, os verdadeiros suportes do Estado!
Vasco
A Canicha não é mulher não é nada se não for às trombas aos dois, será?
Depois dos insultos não é provável que tenham sorte...
Cumps
O Sr. Antônio ê um safado!Isso ê lâ maneira de inaugurar o rapaz?E passar por cima da vontade da pobre da Canicha?
Fico ä espera do desenlace da situacao.Espero que a Canicha nao me defraude!Estou sempre do lado das mulheres.A ler,para a semana!
Um abraco
Enviar um comentário