segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sete Pés Dezanove

Chovia ainda. Já no interior do templo, rodou a cabeça em movimento panorâmico mas antes de se dispor a sensações obrigatórias, teve de aliviar o mau estar, arreando a mochila, sacudindo o capote e enxugando o rosto e as mãos. Porque ninguém ousaria roubar ali haveres, deixou o “peso das costas” junto a uma coluna e, no fim de cumprir a tradição de enfiar as mãos lá no sítio do Pórtico da Gloria, começou a caminhar com porte misto de peregrino estafado e de visitante estreante, na direcção do altar-mor.

Dum olhar lateral captou, sentada num banco da igreja, entre fiéis de prece e turistas de câmara, alguém que não era uma coisa nem outra e que o esperava. A alegria do reencontro levou um ao outro e transformou-se num abraço que começou olhos com olhos, prolongou-se em queixos nos ombros, voltou a olhos nos olhos, repetiu ombros com queixos, fez suores nos olhos e nos pés e terminou de mão dada a Caminho do túmulo do Apóstolo e do abraço da praxe à sua imagem.

Quando regressaram à entrada Pé de Meia tirou da mochila a pulseira de missangas e mostrou-a a Marie com algum receio que esta ficasse a pensar que ele lha havia roubado no hostal em Caldas dos Reis. Ela agarrou-a para logo de seguida lha devolver dizendo:
- É tua, larguei-a no Caminho certa que a irias encontrar!

Sete Pés não gastou francês para contar a história do padre com Alzheimer porque a história perdera toda a importância quando comparada com a surpreendente declaração de Marie. Aproveitou, isso sim, para pedir que ela a colocasse no seu punho. Ela fez cerimónia no gesto e ambos parecem ter sentido no simbolismo do acto a originalidade da sua relação que muito em breve ter-se-ia de diluir em futuros divergentes.

Saíram e foram juntos ao Secretariado Consistorial requerer a Compostela, com as provas do Caminho, os Pés com a credencial e Marie com o diário. No trajecto Marie foi contando que já tinha as suas coisas no mega-albergue do Monte Gozo, que distava dali quatro quilómetros e que lá estavam centenas de outros peregrinos do Caminho Francês.

Se, por um lado, o facto de Marie aguardar a sua chegada para levantarem em conjunto a sua Compostela era um sinal promissor para uma nova noite, esta informação não agradou ao cio dos Pés, não só porque, inchados, não sentiam peito para mais quatro quilómetros mas também porque, com tanta gente nas camaratas seria difícil encontrar espaço para os dois se embrulharem em actos maiores. Procuraria um quarto ali, na zona histórica, nos seus mais secretos planos poder-se-ia até dar o caso de que, com o reanimar da atracção entre os dois e com a noite, Marie optasse por…
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra

8 comentários:

Cristina Torrão disse...

Enfim, o reencontro! Mas esta história entre os dois enguiça a todo o momento. Que se repitam os "ombros com queixos"!

antonio ganhão disse...

Mandei um comentário do meu mobil, vejo que não chegou...

Encontro o mesmo erro aqui no PC, o texto termina à porta do pecado.

Zé Povinho disse...

O reencontro, uma vaga esperança...
Quem sabe?
Abraço do Zé

Meg disse...

Eu bem queria comentar mas não tenho seguido a história... com os últimos acontecimentos e as festas ditas felizes a trabalhar,o tempo... ah o tempo!
Mas deixo-te a promessa de o fazer, a eito, como gosto, logo que isto entre nos eixos.
Por agora, um Bom 2011 e
um abraço cada vez mais recalcitrante.

Se quiseres actualizar o link, é...

http://recalcitrante-meg.blogspot.com

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Meu querido, quanta saudade destas histórias. Então terias vindo! Sim, sei que estás zangado. Mas juro que vim para ficar e para lutar para ires para Belém.
E sabes escrever tão bem!... Fico ansiosa pelo próximo capítulo.
A irmã pródiga

opolidor disse...

Rei Pata

paralelalmente ao pormenor da descrição dos caminhos e dos lugares, suspeito que vai haver trancada e é já no próximo episódio.

abraço

samuel disse...

Foste caridoso com o Sete Pés... e com alguns "peregrinos" que nunca faltam a esses ajuntamentos. Encontrar a mochila depois de a largar ao pé de uma coluna?! Ou então eles vêm todos para Fátima... :-)))

Abraço.

MARIA disse...

Que texto excelente!
Quanto aos dois protagonistas nem suspeito o que possa acontecer-lhes em comum. Certamente nada.
A Marie não constitui futuro para o 7 pés, e nem ele para ela. Aparentemente, perder-se-ão um do outro a não ser que saia milagre peregrino dessa peregrinação dos dois.
Proclamaria Aleluia !
:)

Um beijinho amigo, Majestade

Maria