- Molhado!
Ouviu e recebeu do meio do rio o jacto de sarcasmo da companheira e calou-se, quieto e observador, porque teria de mirar o corpo e reconhecer que ela lhe passou o pé pela inteligência:
Marie vinha com a água acima da cintura, com a camisola arregaçada até às mamas, com o cós preso aos incisivos e com a mochila à cabeça, tal qual uma camponesa transporta o feixe de erva para as coelhas. Das tais para baixo vinha nua, com a brancura da pele francesa a alegrar o caminho da corrente limpa e fria. Pé de Vento delirava de olhos içados batendo alternadamente as pálpebras entre o rosto feliz e vencedor da solução e o nu feminino vestido pelas águas transparentes. Quando, com a aproximação da margem, a diminuição da profundidade do curso começou a revelar gradualmente o corpo ao léu, todos os pés atónitos mandaram sangue para o pénis do corpo.
Marie, aos primeiros dois passos de solo enxuto e em pele gotada em escorrência, deixou o braço esquerdo sozinho a amparar a carga da cabeça e, enquanto passava pelo “chispe” atónito, passou-lhe a mão direita pelo inchaço indiscreto das calças molhadas e perguntou:
- Que é isto?!
Atónito, continuou seguindo-lhe desarmado os mais dois passos. Ela, encostou a mochila a um arbusto e retirou uma toalha para se limpar. Depois estendeu-a sobre o chão e continuou os procedimentos do aportamento.
- E tu? Estás uma lástima e ainda por cima não tens nada seco para vestir! Despe-te enquanto eu te arranjo um fato de treino dos meus.
Pé Descalço batia os dentes de frio, Água Pé de frágil, Pé Ante Pé de atónito e os quatro restantes de tesão. Enfim! Múltiplas sensações!
Estava nu como um peixe, de pés sobre a toalha, quando Marie, ainda seminua, lhe estendeu a roupa em empréstimo. Mas não, não era tempo de vestir nem de despir, era o tempo de consumar e, ali mesmo, sobre a toalha, numa reentrância de arbustos que tocavam o rio e o trilho do caminho, juntaram o atrito das peles de galinha e aguadas dum e doutro e, sem demoras, rodaram o desejo até ao tal fim, de seu nome orgasmo, que tanto se deseja como fim, como se deseja adiado para que permaneça o prazer que o desencadeia.
Um fim, que no preciso instante em que findava, foi brindado com uns desejos de “buon pomeriggio”. Eram dum frade italiano sessentanito, já deles conhecido do Caminho e que fazia Fisterra-Múxia. O santo homem passou olhando em frente, sem olhar de curiosidade ou reprovação. Claro que dera pelos “ais” durante a aproximação, mas isso não o perturbara, antes completara a obra da criação que por ali gozava.
Abraçados e sentados sobre a toalha, a escassos metros, observaram-no de costas a reflectir sobre o seu plano de travessia. Baixou os calções?! Não! Continuou calmo e sereno sobre as águas, como um Jesus andando no Mar Morto, pé ante pé, pedra após pedra, e lá para o meio, voltou o semblante para o cenário de partida, não para ver os nus mas, pelo o olhar calmo e sereno, apenas para que lhes tirassem uma fotografia.
Não era só Marie que era inteligente. Também não era só ele, o frade, que aceitava o equilíbrio da natureza das coisas e dos homens. Enquanto ele realizava a sua prova eles vestiram-se. Quando já preparados para partir acenaram para a outra margem, viram-no a limpar os pés e a sorrir macaco e santo:
- Adeus! Au revoir!
- Addio!
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Todas as segundas feiras.Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra
10 comentários:
Texto mais uma vez muito bem conseguido, ...e a beleza do rio e o que aí encerra torna este "episodio" duplamente especial. Parabéns.RFM
A maturidade assumida da escrita. Adorei a imagem: o nu feminino vestido pelas águas transparentes...
E continuas a desafiar-nos com a ideia que foste protagonista desta aventura.
Roda
A maior beleza do rio é quando ele se transforma numa forma do verbo rir! Obrigada pelo feminino e pela transparência.
Um abraço duplamente especial
António
Obrigado pela pontualidade. Protoganista? Eu teria lá imaginação para inventar uma história destas!? Tudo é verdade, excepto algumas coisas!
Agora sim, estou pronto para vestirmos uns copos cá para estes lados!
Um abraço até
Muito bom!
Estás a vir(ar)-te muitíssimo bem.
Precisas de um editor? Ah! se eu ainda o fosse...
Grande abraço
confessemos que uma grande caminhada se aguenta melhor depois de matar as fomes...no caso concreto, mocada farta.
abraço
... enquanto passava pelo chispe atónito...
A natureza é muito forte.
Cumps
Eu gosto da sua escrita Majestade!
Acredito que não duvidará disso. :)
Agora, neste episódio especificamente Majestade, quando confrontada uma Maria com um cenário natural tão inspirador e tão bonito como este, impõe-se reconhecer que é sábia a conduta do monge:
- Ohhh, que belos passarinhos nessas árvores!... E como cantam essas águas!...
Nem mesmo se chega a ouvir o que ouviu o monge...
Majestade :)
Seque-se e prossiga. Aqui o leio atentamente. Um beijinho amigo :)
Maria
Gostei deste encontro com a natureza...
Abraço
Compadre Alentejano
Pois, num cenário destes, fica-se inspirado. E o frade, "que aceitava o equilíbrio da natureza das coisas e dos homens" - gostei ;)
do Zambujal
- Preciso de um editor?
para quê?! tenho um blog!
opolidor...
mocada?! não sou de fafe!
Zé...
Não há nada como uma boa chispalhada! Aonde e quando???
MARIA...
E vivam os passarinhos machos e os passarinhos fêmeas!
Um beijinho amigo :)
Compadre Alentejano...
E viva a natureza inclusivé a humana!...
Cristina Torrão...
Um abraço equilibrado
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