terça-feira, 5 de junho de 2012

Ei-los que partem


Cinco quartos, quatro quartos de banho, três salas, duas cozinhas, uma churrasqueira, varandas, muros e mais janelas – grande como os sonhos. Ao lado, uma casa de duas águas cujo alçado principal deixa adivinhar o interior. Frente a uma das duas janelas, num banco de pau marcado por estios e invernos, está sentado um homem, marcado pela idade, com a mesma vontade de falar que outros homens e mulheres da sua idade que sentam em lugares idênticos.

- Há dez anos atrás ele tirava mais de duzentos contos por mês nas obras. Comprou um carro novo e pensou em fazer a casa para ver se arranjava mulher. Agora a coisa virou para o torto e teve de ir, os bancos não perdoam! ...

Conheço bem ambos. Do pai, foi minha mãe que me falou em tempos, quando na idade das perguntas a interroguei sobre a alcunha do Mato Grosso. Foi para o Brasil novinho e sozinho e voltou três anos depois tísico e teso que nem um carapau. Não o quiseram para a tropa e os pais arranjaram-lhe uma alcofa que o veio a safar.
Ela tinha muitas vinhas mas também bebia muito vinho, por isso e por casar com ele ficou-lhe a matar o nome da Grossa. Foi-se cedo e deixou o viúvo atado com o cachopo que, talvez pela vida e morte da mãe, demorou a tomar corpo e a falar direito. Na escola chamávamos-lhe o Tó Espinhas.

Quando saí do carro para cumprimentar o Ti Mato Grosso ele estava a pensar no filho. Imaginava-o a desembarcar do navio no porto de Luxemburgo. Imaginava-o num país tão grande como o Brasil a julgar pela gente da terra que para lá está. Imaginava-o a arranhar no francês e a arranjar mulher. Via-o a regressar contente num valente carro e com a situação resolvida. Via-o a regressar de mãos a abanar como ele regressou do Brasil. Via-o sempre e era dele que gostava sempre de falar.

- Tu é que estás bem na vida! Quando ele andava contigo na escola, eu dizia-lhe sempre “estuda como o João! junta-te com o João! olha para o João!” … não quis e agora olha! Só gostava que ele cá estivesse quando eu morrer!...

- As coisas não são bem assim Ti Mato Grosso! Sabe que também estou seriamente a pensar em emigrar! Quem sabe o seu Tó ainda me vá arranjar para lá trabalho.

7 comentários:

Anónimo disse...

Adorei! Fico a aguardar o seguimento.Deixo um xi

cid simoes disse...

Partem mais uma vez empurrados pela fome. A repressão tem muitas roupagens.

samuel disse...

E se descobrires que precisam por lá de um "animador cultural" a tempo inteiro... :-) :-)

Abraço.

Anonymous vero disse...

Efeitos da crise:
Esta noite, entrou-me um ladrão em casa, à procura de dinheiro.
Levantei-me da cama e pusemo-nos os dois à procura ...

Compadre Alentejano disse...

O sr. PC agradece a quem emigrar... e talvez até lhe ofereça uma comenda...
Abraço
Compadre Alentejano

Zé Povinho disse...

Este país começa a ser impróprio para portugueses...
Abraço do Zé (quase de olhos em bico)

Kruzes Kanhoto disse...

Eu fico! Vão ter de me aturar. A menos que me saia o euromilhoes. Aí sou que não estou para os aturar.