Augusto nasceu ali, no sítio onde a ribeira ganha caudal para ter direito a nome, nos campos onde regatos juntam forças para fazer corrente, na vizinhança mais próxima da fonte onde se enchiam os cântaros que acrescentavam sensualidade às ancas. Nunca teve sonhos de marinheiro, contentou-se sempre com a água que ia ao seu moinho, ao seu milho, ao seu chuveiro.
Augusto cresceu ali aprendendo dos mais velhos a lição que quem tem muita água ao pé da porta, é rico. Prendeu de tal forma a terra ao seu destino que aceitou, fechada a escola, o centro de saúde, a mercearia e a freguesia, que a mulher e as duas filhas fossem viver para um apartamento na cidade. - Meia volta elas cá, meia volta ele lá, hoje em dia a distância não é nada!...
Quem ia à fonte da Mindrica, trocava com ele um aceno longo, mudo e respeitável, conforme impunha a lide do tractor do dono daquelas terras. Sim, em tempos idos vê-lo-íamos criança com uma cesta a apanhar peixes de brincar, já rapazote a puxar a junta de bois do seu pai mas agora ele era o homem do tractor.
Tudo ia assim até que o irmão, residente na cidade e funcionário da câmara municipal foi na conversa do presidente e decidiu vender o seu quinhão de terra à autarquia. Vieram máquinas e ali se fez a exploração de água suficiente para acabar com o problema de abastecimento à rede da cidade.
Secou a fonte, secaram os regatos, secaram as represas e o rio deixou de o ser no verão.
Naquele dia, uma comitiva de políticos, técnicos e engenheiros, vinha visitar as novas instalações. Avistou-se ao longe a nuvem de pó provocada pela fila de carros na terra batida. Augusto aguardava-os atrás de um dos grandes depósitos cilindricos pintados de branco de caçadeira na mão.
(Abre-se um parêntesis, antes que a história acabe e o título perca o sentido, para ir três horas adiante do facto em relato, ao apartamento da cidade onde a mulher, ausentes as filhas, pelos vistos, o enfeitava. Tocou a campainha. Pensou, não é o Barbeiro porque ele toca sempre duas vezes! Este toque de três só pode ser do Amadeu da Funerária Boa Nova!)
Augusto morreu ali.
9 comentários:
Pata
tu quando queres puxas pelos galões e o texto ganha logo outra forma...
abraço
Muito bom!
Só foi pena que o Augusto se tivesse “enganado” no alvo, apesar de isso significar que em vez de ser o agente da funerária seria o agente da judiciária...
Abraço
Mais um excelente texto
que não me apetece comentar
para não estragar
Abraço
Adorei! Faz-me lembrar os contos que o meu avô nos contava, "aos netos" à lareira nos serões de inverno. Abraço
excelente.
morreu como as árvoes - de pé!
abraço
Gostei da estôria.Muito bem contada e com a conclusao bem imaginada.Parabêns,Alteza!
Um homem com um "ferro" na mão coloca sempre um ponto final num conto sobre a traição.
Abraço do Zé
Um homem com um "ferro" na mão coloca sempre um ponto final num conto sobre a traição.
Abraço do Zé
É o que faz ter uma campainha...
Saudações!
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