domingo, 11 de janeiro de 2015

Valha-me Santo Ibério!

Há cinco anos que não vinha a Santo Ibério. Mentira, tinha vindo há três semanas acompanhar o marido à sua última morada, mas entre choros,  condolências e o olhar baixo, nada observara, se não coisas que conhecera sempre iguais, como os muros do cemitério, as paredes da igreja e o altar, frente ao qual passara tantos momentos da sua vida.
Não viera porque a doença prolongada lhe exigira dedicação extrema ao acamado, agora falecido, e diga-se de passagem que se poderia dizer que ninguém deu por ela se não ela. O Casal dos Moinhos tem para aí umas vinte casas, das quais nove habitadas, habitantes dezasseis e, entre vizinhos, parentes e carteiro alguém lhe trazia sempre os bens que necessitava. Quando ia a Coimbra tratar da saúde do seu doente, o caminho não passava em Santo Ibério e, nestes modos, se foi estendendo a ausência.
A doença dele era uma dessas doenças de homens, da próstata, dos tomates, ou dessas partes, e levou tempo a levá-lo pelo que não seria pecado confessar que o homem a quem ela entregara a vida e a coisa, sem que de tal entrega tivesse parido descendência, se tinha transformado num fardo a quem, a bem de ambos, ultimamente desejava a morte.  
Valera-lhe no calvário o sobrinho, Carlitos para os mais próximos, doutor Carlos Abreu para os demais, que vinha de Coimbra para o levar e trazer para os exames e consultórios, que lhe trazia os comprimidos, que o auscultava, que era como o filho que não tiveram. Certo que, também daquela casa,  existira sacrificado contributo para os seus estudos e, mesmo agora, nunca ia do Casal sem couves, galinhas ou maçãs de inverno.
Aquelas viagens eram sempre iguais, o homem meio trelido no lugar do pendura sempre a repetir: “passei aqui muitas vezes!... numa ocasião, vinha com tanta sede!...”, mais à frente num cruzamento, “passei aqui muitas vezes… numa tarde, fazia um calor dos infernos!...” numa curva mais adiante ”passei aqui muitas vezes, um dia chovia do céu se Deus a dava!...”,

E as respostas repetidas do sobrinho às falas dela – “então e eu, tia?!” Que exigiam a resposta repetida – tu também filho!...
- Ó Carlitos, aquele doutor que nos atendeu parece-me muito boa pessoa…
- Então e eu, tia?!
- Que grandes estradas! O Cavaco tem feito muita coisa!
- Então e eu, tia?!
- O que nos vale é a reformazita que devemos ao Cavaco!
- Então e eu, tia?!
- Ó Carlitos, Deus Nosso Senhor, tem-nos ajudado muito!...
- Então e eu, tia?!
Tinha feito muito ele mas, ao fim de cinco de anos de remédios e consultas, a verdade é que a cura consistiu apenas em prolongar o sofrimento. Mas pronto, ela ali estava agora em Santo Ibério, com um copo de três à frente e uma sandes de presunto entre os dentes para ganhar forças para subir ao Casal dos Moinhos. A conversa com  Manel Cartucho era acerca disso mesmo:
- O Casal dos Moinhos está a morrer mas Santo Ibério também não vai melhor. No tempo de Salazar é que isto era!... A alegria que não eram estas aldeias, a gente andou descalço e sem comida mas  eles livrou-nos da guerra! Agora?! Fecharam os correios, fechou o centro de saúde, fechou a escola, fechou a linha do comboio!... eram só greves! … os comunistas é que deram cabo disto tudo! O Cavaco ainda fez alguma coisa mas os outros estragaram tudo! Parece que não pode lá continuar mais!... Foram os comunistas que fizeram estas leis para o lixar! A juventude abalou toda! Não querem trabalhar! Agora podes vir cá baixo mais vezes! Respeita o luto, seu malandro!



E escrito isto, continuo pasmado comigo próprio por continuar a gostar de ir ao Casal dos Moinhos e a Santo Ibério.

7 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Por essas e por outras
É que a Liberdade
Foi encontrada
Com as mãos a tapar a cara

Casal de Moinhos
fica no caminho
de todos os caminhos

Sérgio Ribeiro disse...

- Então e eu, tiozinho?












O Puma disse...

Tantos são os terrorismos e seus aliados

Manuel Veiga disse...

bem vistas as coisas, o santo até é "fixolas" - as "tias" é que são uma praga!

Zé Povinho disse...

O moínho, ou melhor a farinha saída do moínho devia ser tóxica, caramba!
Abraço do Zé que só gosta dos cavacos que vão para a lareira

cid simoes disse...

O que falta por aí são casais de mil moinhos.

Unknown disse...

Raio de comunistas,que só vieram ao mundo para atormentar as mentes sãs deste pobre/rico país.
Força,na patada!